“Impossível” não é uma palavra que exista no vocabulário de James Cameron. Não estava lá quando ele fez de “Aliens, o Resgate” um filme tão poderoso quanto o original. Não existia quando ele redefiniu o uso de efeitos especiais no segundo “O Exterminador do Futuro”. E certamente não passou por sua cabeça ao fazer uma história de amor marcada pela tragédia em “Titanic”.
Lançado há 25 anos, “Titanic” parecia destinado a naufragar como o navio que carrega seu nome. Determinado a reproduzir a viagem do “navio dos sonhos” em 14 de abril de 1912, interrompida com sua colisão com um iceberg, Cameron extrapolou as técnicas cinematográficas da época – e também seu orçamento, que encostou em então inacreditáveis US$ 200 milhões.
Recuperar os custos, então divididos entre dois estúdios – Paramount e Fox – parecia impossível. Era, afinal, uma história em que todo o planeta conhecia o final. O lançamento, adiado por seis meses para acomodar uma pós-produção complexa, aconteceu em dezembro de 1997. Contrariando as expectativas, “Titanic” aos poucos cravou seu lugar na história do cinema.
O público abraçou a história de amor da aristocrata Rose (Kate Winslet) com o pobretão Jack (Leonardo DiCaprio) e fez de “Titanic” um fenômeno que rendeu, contando seu relançamento em 2012, US$ 2,2 bilhões. No Brasil, 17 milhões de pessoas foram ao cinema, número que só foi ultrapassado duas décadas depois por “Vingadores: Ultimato”.
Hoje James Cameron é o rei indiscutível das bilheterias. Ele foi o primeiro a bater o recorde de “Titanic” com “Avatar”, e está mais uma vez fazendo história com “Avatar – O Caminho da Água”, que tomou a posição do drama de 1997 como a terceira maior bilheteria da história.
Em meio a essa tempestade perfeita, Cameron recoloca “Titanic” nos cinemas para talvez garantir as três primeiras posições no pódio – “Vingadores: Ultimato” seria uma nobre quarta colocação. Nesse meio tempo, o cineasta achou espaço para conversar comigo não só sobre o retorno de “Titanic” e sua marca na cultura pop, como também ofereceu um ponto de vista ambiental que deixa seu filme, 25 anos depois, ainda mais atual.
Roberto Sadvoski – O que “Titanic” terá de diferente neste relançamento?
James Cameron – Fizemos uma remasterização gigantesca do filme há 10 anos para o relançamento em 2012. Fizemos a conversão em 3D, levantamos a resolução para 4K. É um transfer muito bonito, uma ótima remasterização e o 3D ficou incrível. Eu revi essa cópia recentemente e ainda fico abismado com a qualidade. Dessa vez não mexemos em nada, já que o objetivo dessa vez não é fazer do filme mais do que ele já é. O que eu queria era lembrar às pessoas que um filme como “Titanic” foi criado para ser apreciado em um cinema.
Por que agora?
São vários motivos. Em primeiro lugar vem a beleza e o espetáculo da imagem e do som, os aspectos técnicos. Além disso existe algo fundamental, que eu acredito que passa batido pela maioria das pessoas. Estamos em uma fase muito distraída da civilização humana. Sempre estamos de olho em várias telas ao mesmo tempo, absorvemos nossa mídia por dezenas de serviços de streaming, somos bombardeados por novos conteúdos o tempo todo. Eu acredito que as pessoas querem fugir de tudo isso de vez em quando. Querem fugir para um cinema e assistir a algo que eles sabem que é bom e que será uma experiência extraordinária.
Um filme como “Titanic” faz falta nesse cenário?
Não existe muitas opções, certo? Sempre temos filmes modestos sendo lançados, mas são poucas as opções extraordinárias que você sabe que vão satisfazer não só emocionalmente, mas também como espetáculo. “Titanic” é uma dessas constantes que sempre cumpre essa promessa. O mais importante, portanto, é que em seu aniversário de 25 anos, na celebração do Valentine´s Day (o Dia dos Namorados nos Estados Unidos), trazemos de volta, em uma experiência sem intervalos ou distrações, o que é provavelmente a história de amor mais bem-sucedida da história do cinema. Até porque, o que fazemos com um filme de 3 horas em casa? Pausamos e retomamos na noite seguinte ou quando for mais conveniente para terminar de assistir. Isso elimina a experiência de ponta a ponta, remove esse foco.
O senhor mencionou esse momento na indústria cinematográfica e a ausência de opções grandiosas no cinema. Seria possível produzir hoje um filme como “Titanic”, um espetáculo de grande orçamento feito para um público adulto?
Bom, eu não posso apresentar provas para esse caso, já que “Titanic” existe e foi lançado há 25 anos, mas acredito ter uma boa comparação, que é “Avatar – O Caminho da Água”. Vou misturar as coisas agora. (risos) “O Caminho da Água” provou ser um filme que atinge não só um público mais jovem, mas todas as idades, dos 8 aos 80. É um filme com uma carga emocional grande, além de ser um espetáculo visual. Traz a beleza, assim como a melancolia. Eu diria que está indo muito bem, é o maior filme do ano até agora. Sem falar que também é um filme longo, tão longo quanto “Titanic”! Então ele meio que cumpre todos os requisitos, certo?
Eu diria que sim.
Então essa é sua resposta! (risos)
Minha namorada assistiu a “Titanic” na época de sua estreia quando ela tinha 7 anos. E agora ela está encantada com a possibilidade de reencontrar o filme no cinema.
Isso é fantástico!
Que tipo de retorno o senhor tem recebido nesse momento antes de mais um relançamento?
Ainda não tenho esse tipo de retorno. Às vezes a gente tem de colocar um filme nos cinemas e e ver o que acontece. O que temos visto, em sites de fãs e coisas assim, é essa empolgação com a chance de rever o filme em um cinema. Acredito que exista uma resposta nostálgica, em que as pessoas querem reproduzir aquele momento que tiveram em sua vida, quando eram adolescentes, ou quando tinham 20 anos, e talvez usar esse momento para refletir o quanto elas amadureceram em sua percepção acerca do amor e de relacionamentos. Pode ser apenas uma lembrança de quem você era em tempos mais inocentes. Com o tempo, “Titanic” se tornou parte de nossa memória coletiva, de nosso zeitgeist.
Como este é um segundo relançamento, seria uma experiência recorrente?
Eu posso imaginar que, bem depois de minha morte, as pessoas ainda terão vontade de assistir a “Titanic” no cinema de tempos em tempos, porque ele existe fora de nosso momento cultural. Mesmo quando o lançamos em 1997 ele parecia existir um século antes de seu tempo, como uma uma janela para o passado. Acho que isso não vai mudar. É como Jack e Rose. Hoje, 25 anos depois, não pensamos neles como Kate e Leo, até porque eles tiveram suas próprias vidas e suas próprias carreiras. Eles são muito diferentes para nós do que eram à época. Os personagens são apenas Jack e Rose, essas entidades congeladas no tempo. Eu acho isso muito bonito.
Vou arriscar uma pergunta totalmente hipotética. Se o senhor pudesse voltar e refazer “Titanic”, teria feito algo diferente?
Posso dizer, hipoteticamente, que nunca pisamos no mesmo rio duas vezes. (risos) Cineastas, claro, evoluem em seu modo de pensar e reavaliam o que é importante para eles. Mas eu posso afirmar que os temas que eram importantes para mim quando adolescente, quando jovem ou quando eu tinha meus 40 e poucos anos quando fiz “Titanic” têm hoje o mesmo peso. A maioria das pessoas não enxerga “Titanic” como um filme sobre o meio ambiente, mas quando eu o filmei há 25 anos já o via como uma metáfora para a crise climática.
Acho que nunca vi dessa forma!
Pensa comigo. É algo que vemos se aproximando. Algo sobre o qual fomos alertados. É o telegrama no bolso do capitão, é o iceberg que visualizamos mas não conseguimos nos desviar e que destrói o tecido de nosso mundo. Os pobres sentem o impacto e as consequências com mais intensidade do que os ricos. Para mim essas metáforas são tão fortes hoje quanto 25 anos atrás. Mas não sei se faria exatamente o mesmo filme hoje. A técnica seria diferente, claro, com mais imagens geradas em computador para estender os cenários e coisas assim. Visualmente seria muito mais realista, porque hoje isso é possível. Ainda assim, acho que o resultado não seria tão diferente. Eu só não teria Kate ou Leo jovens. (risos)
Fonte: UOL Cinema