Por que o fim do ‘gatonet’ não preocupa os entusiastas da pirataria – 14/02/2023

A Anatel anunciou semana passada uma operação que mira a pirataria de sofá. A ação deve desligar cerca de 5 milhões de decodificadores clandestinos que transmitem material de TVs por assinatura e plataformas de streaming. As caixinhas conhecidas por TV Box, ou “gatonet” no popular, estão com os dias contados.

Para a turma que incentiva e consome a pirataria digital, porém, o impacto deve ser suave. Fechar uma torneira aqui significa apenas a abertura de outra acolá. O motivo é simples. O maior aliado dos piratas – e usar o termo “piratas” no século 21 é um barato – é a tecnologia. E a tecnologia, a história nos ensina, é irrefreável.

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O consumo de material audiovisual ilegal não é nenhuma novidade, alastrando-se como fogo em palha desde a popularização do home entertainment. Nos anos 1980, quando a classe média brasileira abraçou a chegada dos aparelhos reprodutores de VHS com gosto, a primeira bandeira com a caveira e os ossos cruzados foi hasteada.

Dois players conectados

Lembro como se fosse ontem. Um passeio à video locadora era sinônimo de ver a tabela precificando fitas originais e “alternativas” com valores distintos. Uma loja que eu costumava frequentar tinha uma cópia bacana de “Indiana Jones e o Templo da Perdição”, e pelo menos uma dúzia de versões bucaneiras, feitas com muita paciência com dois players conectados.

A pirataria artesanal era embasada por operações profissionais, que inundavam o mercado com fitas de procedência duvidosa e imagem sofrível – uma cópia de “Platoon” à época me foi apresentada como “telecinada”. Ou seja, um malandro gravou o filme inteiro em um cinema e não teve nenhum pudor em comercializar o próprio delito.

Com o tempo, o mercado de VHS foi regularizado e a atividade paralelas dos piratas foi para o escanteio. Mas um meliante adormecido não significa inativo, e a pirataria voltou com fúria com a onda seguinte, a dos DVDs. Essa perdura até hoje, com camelôs comercializando livremente os disquinhos digitais com filmes que não raro ainda estão sendo exibidos no cinema.

Sinal compartilhado

A pirataria digital é um pouco como “Jurassic Park”: “A natureza encontra uma maneira”. No caso, os avanços tecnológicos, que dão a contraventores ferramentas cada vez mais sofisticadas para copiar e distribuir produtos dos quais eles não possuem os direitos.

O “gatonet” é um bom exemplo. Desde a popularização das TVs por assinatura no Brasil, seja via cabo, seja por sinal digital, parte da massa consumidora buscou alternativas aos preços praticados pelas operadoras. Um ponto de conexão na rua era muitas vezes compartilhado por mais casas do que a conta fechava.

A fiscalização sempre esteve presente, mas não impediu que o consumo pirata de sinais digitais crescesse de forma desordenada. A TV Box, que por si não é ilegal, tornou-se símbolo dessa terra de ninguém quando grupos criminosos passaram a cobrar pela assinatura de canais e de plataformas de streaming, sem que o valor jamais chegasse nas mãos de seus donos por direito.

Risco para o consumidor

Essa nova ação da Anatel não chega sem polêmica. Um passeio por redes sociais com grupos debatendo o tema esbarra no argumento inevitável que a TV Box ilegal “democratiza a cultura” e “leva diversão a quem não pode pagar”. Termos bonitos para esconder os fatos: é crime.

O desligamento das TV Box não homologadas será feito de forma remota, com a Anatel notificando o provedor de internet da existência de uma rede pirata de caixas, que por sua vez corta o sinal para o aparelho. O risco para o consumidor que insiste com a pirataria é imenso, já que o sinal abre caminho para que seus dados possam ser compartilhados por quadrilhas especializadas em crimes digitais.

Todo esse movimento espelha dúzias de ações contra a pirataria digitais implementadas pelos órgãos reguladores ao longo dos anos. Todas as vezes, contudo, os piratas circulam as proibições, enfrentam as ações e conseguem reativar sua atividade. É negócio que movimento muito dinheiro e envolve muita gente.

A cópia de fitas VHS feita no quarto dos fundos das locadoras de bairro nos anos 1980 é coisa do passado. A ação agora é causada por gente profissional, organizada e, acredite, preparada para qualquer contingência. Os piratas tropeçarão num primeiro momento, mas logo encontrarão outra forma. É um ciclo difícil de ser quebrado, até porque, na outra ponta, existem consumidores dispostos a acreditar na ilusão de que estão “economizando”. Nesse mar revolto, os piratas prosperam.



Fonte: UOL Cinema

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