Criador de ‘Hunters’ diz como conseguiu colocar Al Pacino para caçar nazistas na série

Los Angeles


The New York Times

Nos últimos anos, David Weil vem trabalhando com uma série de atores talentosos, entre os quais Al Pacino, Helen Mirren, Anne Hathaway, Sam Neill e Morgan Freeman —será que esquecemos algum? “Anthony Mackie, Uzo Aduba, Constance Wu”, disse Weil, com uma risada, em uma entrevista em Los Angeles.

Weil está consciente de sua sorte. Ele não tinha credenciais como escritor em seu currículo até recentemente, mas, com apenas 33 anos, criou e comandou a produção de duas séries repletas de astros para a Amazon Prime Video, começando com o thriller de espionagem revisionista “Hunters”, que traz Pacino em primeiro papel regular na televisão.

Já “Solos”, uma série baseada em monólogos e estrelada por Hathaway, Mirren, Freeman e outros, veio logo a seguir —uma produção da era da quarentena que também marcou a estreia dele como diretor (Weil também foi um dos criadores da série de ficção científica “Invasion”, da Apple TV+, em 2021).

No último dia 13, “Hunters” voltou ao streaming para sua segunda e última temporada, ambientada novamente na década de 1970, e na qual vemos de que maneira o personagem de Pacino montou sua equipe muito diversa de caçadores de nazistas, dotada de poderes parecidos com os dos super-heróis. “Tive muita sorte”, disse Weil.

Sorte, talvez. Mas nos dias iniciais da sua carreira, há quase uma década, depois de se diplomar em ciência política na Universidade de Harvard, Weil também conseguiu incluir dois roteiros especulativos na venerável “Lista Negra” de Hollywood –que inclui os melhores roteiros não produzidos de cada ano—, e isso deixa claro que ele também tinha algum talento como escritor.

O primeiro roteiro o ajudou a encontrar um agente, e isso conduziu, alguns anos mais tarde, a uma reunião com Jordan Peele, que tinha acabado de dirigir o muito bem sucedido “Corra!”, em 2017. Weil mostrou a ele o roteiro para o episódio piloto de “Hunters”, e Peele adorou, e se tornou produtor executivo do projeto. Isso foi o sinal de largada para Weil.

Quando a série estreou, no início de 2020, Weil, que é judeu e cujos avós sobreviveram aos campos nazistas, recebeu críticas de todos os quadrantes do espectro. Algumas organizações judaicas criticaram as liberdades criativas que a série tomou com a história do Holocausto, incluindo sua representação de um jogo de xadrez fictício em que as peças são prisioneiras em um campo de concentração. Mas muitos neonazistas e antissemitas também detestaram a série, apontou Weil.

“Acho que odiaram a série porque mostrava personagens judeus, personagens negros, personagens americanos de origem japonesa, todos eles se erguendo”, disse o diretor. “Para mim, críticas como essas são causa de orgulho.”

A nova temporada de “Hunters” certamente deve provocar ainda mais agitação, ao oferecer, entre outras estranhas delícias, uma busca por Adolf Hitler, que, na série, na verdade não morreu naquele bunker em Berlim. Em vez disso, Hitler está conspirando para cometer todo tipo de maldade, ao lado da sua mulher, Eva Braun —maldades que os caçadores de nazistas estão determinados a evitar.

Weil falou sobre a nova temporada na casa em Studio City, decorada com uma enorme estátua dourada do Astro Boy, em que vive com sua mulher e parceira de produção, Natalie Laine Williams (os dois esperam o seu primeiro filho para o mês que vem). Ele falou também sobre a história de origem de “Hunters”, sobre aquela cena de xadrez, e sobre como conseguiu que Pacino aceitasse um papel na série. Abaixo, trechos editados da conversa.

O que você estava fazendo antes de “Hunters”?

Quando me mudei para Los Angeles, em 2011, dava aulas particulares a crianças em Beverly Hills, Palisades e Santa Monica, das 16h às 21h, e depois ia para casa, para o meu pequeno apartamento em West Hollywood, e escrevia das 22h às 4h da manhã. Foi o que fiz todos os dias durante anos. Não conhecia ninguém por aqui e por isso só escrevia, escrevia e escrevia.

Você se mudou para cá para escrever?

Sim. Também fiz algumas audições, mas sou um ator horrível, e as audições eram brutais. Dou muito crédito aos atores.

Como conseguiu incluir seus dois primeiros roteiros na “Lista Negra”?

Alguns amigos que fiz na universidade estavam trabalhando por aqui como assistentes. E eles passavam os roteiros a outros assistentes que conheciam, que os passavam a outros assistentes que conheciam. É assim que roteiros entram na “Lista Negra”. É boca a boca.

Ou seja, você não precisou perseguir produtores quando eles iam ao banheiro?

O mais estranho é que, quando eu ainda estava dando aulas particulares, uma das famílias para quem eu trabalhava tinha amizade com a ex-mulher de Aaron Sorkin, e com Sorkin e sua filha. Por isso, eu o encontrei algumas vezes, mas nunca tive a ousadia de lhe entregar meu roteiro e pedir que o lesse. Porque, afinal, ele é um dos meus escritores favoritos de todos os tempos, e eu era só um humilde professor particular.

Como surgiu “Hunters”?

“Hunters” foi realmente uma história que começou quando eu tinha cinco ou seis anos, e a minha avó, Sara Weil, que é sobrevivente do Holocausto, contava as histórias das suas experiências durante a guerra para mim e os meus irmãos. Apesar de Hitler ter sido derrotado, apesar de os nazistas terem sido vencidos, o antissemitismo ainda existe, o preconceito, o fanatismo e o fascismo. Acho que ela sabia que sua história poderia ser uma arma diante da crescente negação do Holocausto.

Por isso, na década de 1980, ela começou realmente a contar a sua história. E um dos beneficiários era eu, ainda criança, sentado à sua mesa de cozinha saboreando uma canja de galinha. As histórias delas não estavam cheias de todos os horrores e de todas as realidades; eram formuladas de uma forma que eu podia compreender. E assim, para mim, as histórias dela pareciam, realmente, aventuras de quadrinhos e super-heróis.

Al Pacino nunca tinha feito uma série de TV regular, até agora. Como você conseguiu que ele aceitasse fazer “Hunters”?

O primeiro golpe de sorte foi conseguir que Jordan Peele entrasse no projeto. Eu era um grande fã de “Key & Peele”, e perguntei ao meu agente se ele podia me apresentar a Jordan. Assim, quando acabei de escrever “Hunters”, enviei o roteiro a Jordan, e ele e sua produtora, Monkeypaw, e Win [Rosenfeld], o seu parceiro de produção, entraram na história.

Um dia, estávamos na Amazon e um dos agentes de Al, com quem trabalho frequentemente, me telefonou e disse: “O que acha de Al Pacino para o papel de Meyer?” E eu pensei: “Ele deve estar me zoando. Isso é uma loucura. Mas logo acrescentei que, ops, quero dizer, sim, claro”.

Você dá sugestões a Pacino?

Se dou sugestões a Al Pacino? Não. Mas ele me dá as sugestões mais incríveis, sabe, quanto aos roteiros e à edição, do tipo: “Se você segurar essa cena na tela por mais alguns segundos, a ressonância emocional para o público pode ser maior”. Ele está sempre pensando no público e na forma pela qual as pessoas experimentam a série.

Você também vem trabalhando com muitas outras estrelas de primeira linha. Como é que isso acontece?

Ter grandes agentes ajuda, como os meus na CAA, pessoas realmente ótimas que me defendem e têm lutado por mim junto aos seus clientes. Mas eu também sou um estudioso e um fã desses grandes atores. Assisto uma vez por mês ao monólogo do vestido vermelho de Ellen Burstyn em “Réquiem Para um Sonho”. Qualquer coisa que Meryl Streep faça, qualquer coisa que Viola Davis faça.

Você tomou muitas liberdades criativas com o Holocausto, na série.

Cresci como estudante do Holocausto por causa da minha avó, e por causa do incrível trabalho de Claude Lanzmann em “Shoah” e de Spielberg em “A Lista de Schindler”. E há também “A Vida É Bela”, de Roberto Benigni, que toma grandes liberdades criativas. Até em “A Lista de Schindler” há cenas inventadas. E temos “Bastardos Inglórios”, que é só invenção.

“Hunters” foi especialmente criticado pela cena do jogo de xadrez.

Fiz uma declaração quando a série saiu e ainda considero que seja válida. Para mim, ao avançar para a segunda temporada, sentir a empolgação e o entusiasmo de tantas pessoas e, especificamente da comunidade judaica e dos educadores sobre o Holocausto, foi emocionante. No entanto, como escritor, como “showrunner”, também estou muito consciente das críticas. Mas continuo a defender aquela cena.

Na nova temporada, você inclui Hitler na história. Como teve essa ideia?

Quando eu era adolescente, a ideia de que Hitler foi capaz de escapar à justiça e escolher o seu próprio destino [ao cometer suicídio] me enfurecia. Parecia tão injusto. Por isso, sempre quis que o programa não só continuasse a história de minha avó, como também que fosse uma fonte de catarse para pessoas como eu, para sobreviventes como a minha avó e o meu avô. Assim, nesta temporada, nossos heróis estão à caça de Hitler, e vamos ver se o trazem à justiça.

Quais são os prós e os contras, dramaticamente, de ter Hitler na série?

Se você vai mostrar o indivíduo mais maléfico da história, isso acarreta uma responsabilidade incrível. E por isso eu quis assegurar que capturássemos suas capacidades: a raiva, o poder, a sede de sangue —ele era um inimigo muito formidável e terrível. Algumas obras [que retratam Hitler] são mais comédia ou sátira, e isso funciona bem para aquelas séries, mas, nesta, era incrivelmente vital que ele fosse o puro mal encarnado. A outra responsabilidade chave era oferecer resolução —se vamos invocá-lo de forma fictícia, tínhamos de oferecer catarse até ao final da série.

Sempre ouvimos dizer que os atores que interpretam vilões sentem que não conseguem pensar em seus personagens como vilões, porque não poderiam interpretá-los se o fizessem. Eles precisam encontrar a humanidade no interior do personagem. Isso foi um problema para você, ou para Udo Kier, que interpreta Hitler na série?

Veja, Hitler era um ser humano, como os neonazistas e antissemitas são, hoje, como os racistas são. Mas, sabe, não sei quanta humanidade, no sentido coloquial da palavra, havia para garimpar nele, para ser honesto.

Tradução de Paulo Migliacci



Fonte: Folha de SP

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