Filmagens de ‘Rust’ são retomadas com armas falsas, balas de borracha e olhos atentos

Pray (Montana)


The New York Times

À beira de uma ravina íngreme e coberta de neve ao norte do Parque Nacional de Yellowstone, Alec Baldwin e a equipe do western “Rust” chegaram para sua reunião matinal de segurança, quando as filmagens foram retomadas 18 meses depois de uma tragédia causar sua interrupção. Não era de maneira alguma uma reunião de rotina.

“Já disse e vou repetir: nada de armas no estúdio”, assegurou Gerard DiNardi, o novo primeiro assistente de direção do filme, à equipe no último dia 21. “Não há nada que possa ser disparado. Há uma série de fac-símiles de armas, algumas de borracha e outras reproduções.”

O novo armeiro do filme, Andrew Wert, responsável por todas as armas e munições no set, acrescentou que até as munições fictícias —os cartuchos inertes que são usados nos filmes para se assemelharem a munição real— eram feitas de borracha e madeira, e pintadas de dourado.

E, com essas garantias, as filmagens foram retomadas. Foi há 18 meses, durante filmagens no Novo México, quando a equipe estava preparando um close-up de Baldwin sacando um revólver antiquado, que a arma disparou subitamente e uma bala verdadeira atingiu a diretora de fotografia do filme, Halyna Hutchins, 42, feriu o diretor, Joel Souza, traumatizou o elenco e a equipe, e deu origem a processos judiciais e acusações criminais.

Cerca de 200 membros do elenco e da equipe estão de volta ao trabalho, agora, para concluir “Rust”.

Nem todos voltaram: A armeira original do filme, Hannah Gutierrez-Reed, está respondendo a uma acusação de homicídio involuntário relacionada à morte de Hutchins, e o primeiro assistente de direção original, Dave Halls, se declarou inocente de uma acusação de manuseio negligente de arma de fogo. A diretora de fotografia Bianca Cline assumiu o posto para terminar o filme que Hutchins começou. Muita gente vem descrevendo “Rust” como um tributo a Hutchins; seu marido agora é produtor executivo do filme, e ele deu autorização a dois cineastas para que façam um documentário sobre a vida dela e a conclusão do filme.

Mas Souza, que foi ferido pelo tiro quando a bala atravessou o corpo de Hutchins e atingiu seu ombro, está de volta à cadeira de diretor.

E Baldwin também retornou ao papel principal, no dia 21, quando os procuradores públicos do Novo México rejeitaram as acusações de homicídio involuntário que pesavam contra ele, depois que surgiram novas provas indicando que a arma que ele estava usando, que não deveria conter munição real, havia sido modificada. Mas persiste alguma incerteza quanto ao protagonista: os procuradores públicos disseram que continuariam a investigar o caso e que se reservavam o direito de voltar a apresentar queixa contra o ator.

Quando a equipe se reuniu para retomar o trabalho, Souza, que trabalhou pela primeira vez com Baldwin em um rascunho do roteiro cerca de cinco anos atrás, fez um discurso emocionado.

“Houve dias, antes de hoje, em que eu honestamente não sabia como conseguiria me levantar da cama pela manhã”, ele disse, “e a razão para eu ter conseguido foram todos vocês”. Ele disse que todos deviam a Hutchins abordar seu trabalho com alegria, do mesmo modo que ela fazia.

“Eu sei que ela estaria ansiosa para que começássemos a trabalhar, e assim, por que não fazemos isso?”, disse Souza quando a reunião terminou. “Hoje, vamos fazer um filme. Podemos muito bem fazer um bom filme.”

TODOS OS OLHOS EM ‘RUST’

Pouco tempo depois de Baldwin ter voltado a vestir o figurino de Harland Rust, um fora-da-lei que usa um chapéu de caubói, um casaco longo castanho e botas de couro altas, ele se viu envolvido em uma cena centrada em uma arma.

“Quem diabos é você, senhor?”, gritou o jovem ator Patrick Scott McDermott, ao apanhar o rifle de Rust e apontá-lo contra ele. “Meu nome é Rust”, grunhiu Baldwin, antes de retomar a arma que o adolescente tinha roubado de sua sela sem saber que o forasteiro é seu avô.

Como sinal da atenção que a produção retomada está recebendo, o jornal The New York Post publicou uma fotografia de Baldwin na filmagem da cena, que o mostrava agarrando a arma pelo cano. O título da reportagem: “Alec Baldwin segura arma –apontada contra si mesmo— no novo set de ‘Rust’, depois do abandono das acusações relacionadas ao tiro fatal”.

A cada vez que o armeiro, Wert, leva uma arma ao set, ele informa à equipe de que as armas em uso são réplicas, incapazes de disparar um tiro.

Wert, um antigo soldado de infantaria do exército dos Estados Unidos, construiu os rifles com peças de armas verdadeiras, para que parecessem tão reais quanto possível mas não pudessem disparar em circunstância alguma. Ele perfurou as partes onde os pinos de disparo ficariam e modificou os cilindros para que nenhuma munição pudesse caber neles, e as balas de borracha e de madeira foram pintadas de dourado para que parecessem reais quando colocadas na bandoleira de Baldwin.

“Não queria que houvesse dúvidas sobre a origem das armas, ou de onde vinha qualquer peça que fosse”, disse Wert, cuja carreira de responsável por armas em sets de filmagem já dura mais de 20 anos e inclui “Clube de Compras Dallas” e o western “O Duelo”, protagonizado por Woody Harrelson em 2016.

A questão dos armeiros e da segurança das armas nos sets vêm ocupando posição central da investigação sobre como “Rust” resultou em um tiro fatal. Os procuradores públicos acusaram a armeira original, Gutierrez-Reed, de permitir munições reais em um set de filmagem, onde elas supostamente são proibidas, e de não ter verificado cuidadosamente o revólver que foi entregue a Baldwin no dia do tiroteio.

Foram levantadas questões sobre a forma como ela e Halls, o primeiro assistente de direção original, lidaram com os protocolos relativos às armas. Gutierrez-Reed, cujo advogado afirmou que ela pretende se declarar inocente, disse aos investigadores que a armeira tinha verificado cada bala, mas admitiu que gostaria de tê-lo feito de forma mais minuciosa.

No set de Montana, Wert recolhe as armas dos atores, entre as cenas, e as guarda em um lugar separado. Em seguida, as tranca em uma caixa protegida por senha.

As montanhas cobertas de neve que rodeiam o Yellowstone Film Ranch, em Montana, são diferentes do terreno mais seco do Bonanza Creek Ranch, nos arredores de Santa Fé, Novo México, onde o filme foi rodado durante 11,5 dias em outubro de 2021, antes de as filmagens serem interrompidas.

Como o roteiro prevê que o personagem de Baldwin viaje pelo oeste a cavalo com o seu neto, os realizadores acreditam que as mudanças na topografia podem ser facilmente acomodadas. Mas havia alguns elementos da produção original que era necessário reproduzir para garantir a continuidade, depois que as filmagens foram transferidas para outro estado.

No rancho de Montana, onde o “tumbleweed” obrigatório rolava pelas ruas de terra de uma cidade do Velho Oeste equipada com um saloon, uma tabacaria e um estábulo, a equipe de “Rust” estava construindo, do zero, uma casa de fazenda e um chiqueiro, em um esforço por preservar ao menos parte do último trabalho de Hutchins.

Eles precisavam que o chiqueiro fosse igual ao do Novo México, onde Hutchins tinha filmado uma cena, porque um dos atores originais não tinha regressado à produção. Em vez de refazer completamente a cena, a solução foi construir um chiqueiro idêntico para que a cena pudesse ser filmada com um novo ator e as novas imagens pudessem ser editadas e combinadas às antigas.

“Todos nós temos a intenção de preservar cada segundo que pudermos”, disse Ryan Smith, um produtor que regressou ao filme. Mas uma cena foi cortada e reescrita por Souza, ele disse: a de uma pequena igreja de madeira que a equipe estava construindo quando o incidente ocorreu.

A figurinista do filme, Terese Davis, vem trabalhando para garantir que os novos figurinos se integrem bem com os que foram usados pelos atores nas filmagens do Novo México. O figurino que Baldwin usava no dia do tiro teve de ser substituído, porque o original foi levado como prova pelas autoridades policiais. Muitos outros figurinos do filme foram destruídos em um incêndio em um armazém no Novo México, alguns meses depois das filmagens.

Por isso, Davis estudou em zoom fotos dos figurinos antigos para poder criar novas peças com cores e tecidos exatamente iguais. Sua equipe estava pintando laboriosamente um padrão de xadrez de uma das velhas camisas, em um nova peça. “Meu grande objetivo tem sido que meu trabalho e quaisquer problemas com ele não desviem a atenção do trabalho de Halyna”, ela disse.

Davis está entre os cerca de 10 membros da equipe que regressaram ao filme. Houve problemas trabalhistas na produção original e, mais tarde, alguns membros da equipe que afirmaram não ter recebido boletins de segurança regulares e citaram dois disparos acidentais de armas de fogo com cartuchos vazios abriram processos judiciais contra os produtores.

A Rust Movie Productions, que está por trás do filme, defendeu o seu histórico de segurança, afirmando que a equipe reagiu corretamente aos disparos acidentais. Mas a empresa aceitou pagar US$ 100 mil (quase R$ 500 mil) pelos incidentes, em um acordo com as autoridades regulatórias de segurança do trabalho no Novo México.

No sítio de Montana, a segurança ocupa o lugar mais importante. Dois supervisores de segurança chegaram ao rancho cerca de um mês antes do início das filmagens para efetuar avaliações de risco em áreas como o manuseio de cavalos e a navegação em terrenos rochosos (“nada de enviar mensagens de texto enquanto anda!”, é um dos motes mais repetidos).

Representantes de sindicatos de trabalhadores de cinema estão presentes para observar as cenas de maior risco. E o calendário de filmagens, inicialmente previsto para 22 dias, é agora de 24, para evitar que a equipe se sinta pressionada, disse Smith. O orçamento da nova produção, que recebeu novo financiamento para retomar as filmagens, é de cerca de US$ 8 milhões (cerca de R$ 40 milhões), enquanto o original era de cerca de US$ 6,5 milhões (R$ 32 milhões), disse uma advogada da produção, Melina Spadone.

“É claro que estamos exercendo um nível adicional de cuidado”, disse Smith, “porque naturalmente queremos que todos se sintam extremamente confortáveis, e porque a comunidade da produção e o mundo estão nos observando.”

Tradução de Paulo Migliacci

Fonte: Folha de SP

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