Com novas regras, Oscar mira a diversidade e tenta avançar rumo ao futuro – 15/03/2023

Quando o assunto é a diversidade, a edição do Oscar 2023 vai ficar marcada por avanços e também derrapadas. Pensando somente nas categorias de atuação, ao mesmo tempo em que pela primeira vez na história uma asiática leva o Oscar de melhor atriz (Michelle Yeoh, aos 60 anos), a representatividade negra foi pouco expressiva.

Viola Davis, que vinha sendo apontada como aposta certa por “A Mulher Rei”, foi esnobada, assim como a diretora Gina Prince-Bythewood e o próprio filme não foram indicados a nenhuma categoria.

O elogiado trabalho da atriz Danielle Deadwyler no drama “Till” também foi um dos que os cerca de 9.500 votantes da Academia deixaram passar nas indicações deste ano.

Não por acaso, Ruth Carter, que se tornou a primeira mulher negra a ter dois Oscars (os prêmios de melhor figurino em 2019 e 2023 pelos dois volumes de “Pantera Negra”) dedicou seu prêmio no último domingo às mulheres negras, “as verdadeiras super-heroínas”, que resistem e continuam realizando e avançando.

Ruth E. Carter recebe o Oscar de melhor figurino por 'Pantera Negra: Wakanda para Sempre' - Kevin Winter/Getty Images - Kevin Winter/Getty Images

Ruth E. Carter recebe o Oscar de melhor figurino por ‘Pantera Negra: Wakanda para Sempre’

Imagem: Kevin Winter/Getty Images

Oito anos depois do movimento “Oscars So White” (“Os Oscars são brancos demais”, na tradução livre) na edição de 2015, a Academia promete colocar em prática no ano que vem suas novas regras para promover diversidade. As diretrizes foram divulgadas em 2020, com o prazo de adaptação que foi dado pela organização, que colocou 2024 como primeiro ano em que irá cobrá-las de fato.

Michelle Yeoh venceu o Oscar de melhor atriz por "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" - Foto: Kevin Winter/Getty Images - Michelle Yeoh venceu o Oscar de melhor atriz por "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" - Foto: Kevin Winter/Getty Images - Michelle Yeoh venceu o Oscar de melhor atriz por "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" - Foto: Kevin Winter/Getty Images

Michelle Yeoh venceu o Oscar de melhor atriz por “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” – Foto: Kevin Winter/Getty Images

Imagem: Michelle Yeoh venceu o Oscar de melhor atriz por “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” – Foto: Kevin Winter/Getty Images

Os novos critérios do Oscar não devem ter impacto grande na tela

Para concorrer ao Oscar de melhor filme, as produções terão que se encaixar em dois dentre quatro diferentes pré-requisitos. São eles:

  • Diversidade no elenco de atores e atrizes. Para atingir ao critério “Representação na tela, temas e narrativas”, é preciso ter: ou a) protagonistas ou coadjuvantes de um grupo racial ou étnico sub-representado; e/ou b) ter 30% dos atores de papeis secundários de grupo sub-representado; e/ou c) ter o enredo principal centrado em um grupo sub-representado
  • Diversidade na “liderança criativa”. Para atingir ao critério “Liderança criativa e equipe de projeto”, é preciso ter: a) dois dentre os cargos de chefia de departamentos ocupado por uma pessoa de um grupo sub-representado; e/ou b) seis pessoas ocupando cargos importantes abaixo dos chefes de departamento também oriundos desses grupos.
  • Promover acesso a oportunidades na indústria. Para obter o selo no terceiro critério, são duas exigências: a) contratação de estagiários dos grupos sub-representados; e b) oferecer cursos de formação a pessoas dos grupos sub-representados em funções importantes dentro da produção do filme.
  • Diversidade nas empresas contratadas para promover o filme. O quarto e último critério, “Desenvolvimento de audiência e público”, pode ser atendido desde que as empresas de marketing, publicidade e distribuição contratadas tenham executivos seniores que pertencem aos grupos representados.

Para entender o que isso significa:

  • Não há exigência necessária de representatividade entre os atores, nem nas histórias contadas. Esse é um dos quatro critérios e vale reforçar que os filmes só precisam atingir dois dentre os quatro.
  • Se valessem em 2023, as regras não teriam mudado em nada o resultado, como observou a própria presidente da Academia, Janet Yang. Assim, como Yang reconheceu à Sky News, trata-se principalmente de um “lembrete”. “Nada de Novo no Front”, que conta a história de soldados alemães, por exemplo, passaria nos critérios pelo conjunto da produção.
  • Exigência pode ter reflexo positivo dos bastidores para as telas. Cumprido corretamente, o critério que coloca pessoas de grupos sub-representados em cargos “above-the-line” (“acima da linha”, em tradução livre) dos bastidores, postos de importância criativa, vai trazer novos olhares para o processo de produção, e isso tende a se refletir na tela.

As regras estão na íntegra no final deste texto. Vale pontuar ainda que a Academia está considerando:

  • Como grupo racial ou étnico sub-representado: asiáticos, hispânicos/latinos, negros/afro-americanos, indígenas/povos norte-americanos originários, originários do Alaska, do Oriente Médio ou Norte da África, entre outros.
  • Como grupos sub-representados em geral, além dos raciais/étnicos: mulheres, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.
Ke Huy Quan, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante - Rodin Eckenroth/Getty Images - Rodin Eckenroth/Getty Images

Ke Huy Quan, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante

Imagem: Rodin Eckenroth/Getty Images

Critérios do Oscar seguem questionáveis, mas há avanços

Por ora, como já citado, em um ano em que “A Mulher Rei” foi completamente esquecido mesmo nas categorias técnicas, é impossível não questionar a diversidade do Oscar. Ainda assim, vale lembrar que o avanço existe. Além de Michelle Yeoh fazendo história, esta foi a edição em que mais asiáticos foram indicados.

Além dela, Stephanie Hsu (filha de chineses) foi indicada a melhor atriz coadjuvante e o vietnamita Ke Huy Quan levou o Oscar de melhor ator coadjuvante.

Os três, ao lado de Jamie Lee Curtis, estrelam o vencedor da noite, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” — que, não por acaso, traz inspiração na herança cultural do diretor Daniel Kwan (seu pai nasceu em Hong Kong e sua mãe, em Taiwan) e conta a história de uma imigrante chinesa nos Estados Unidos.

No auge da crise de meia-idade, Evelyn Wang (Michelle Yeoh) também está em crise em todos os aspectos de sua vida, familiar, conjugal e existencial. Para completar a lista asiática, Hong Chau, também de origem vietnamita, foi indicada a melhor atriz coadjuvante por seu papel em “A Baleia”.

Jamie Lee Curtis recebe o Oscar de Atriz Coadjuvante por 'Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo' - Kevin Winter/Getty Images - Kevin Winter/Getty Images

Jamie Lee Curtis recebe o Oscar de Atriz Coadjuvante por ‘Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo’

Imagem: Kevin Winter/Getty Images

Oscar 2023 vai ficar marcado por avanço na luta contra o etarismo

Três mulheres com mais de 60 anos levaram o Oscar para casa (Jamie Lee Curtis tem 64, Michelle Yeoh tem 60 e Ruth Carter, 62).

Ao dar o recado certeiro de “mulheres, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do auge”, Michelle acena para o fato de que tanto as mulheres quanto os homens vão continuar cada vez mais exigindo e conquistando histórias que não os estereotipe tanto nas telas quanto na vida real.

Resta saber se o público, como espectador dos filmes e também como agentes da sociedade, vai cobrar e fazer valer na prática cada vez mais as novas diretrizes para tempos contemporâneos.

Por ora, para 2024, fica o desejo e a urgência de quebrar novas barreiras, como o fato de que nunca uma mulher foi premiada com o Oscar de melhor fotografia (neste ano, Mandy Walker concorria por “Elvis”, mas James Friend levou por “Nada de Novo no Front”).

Lembre-se ainda que até hoje somente sete mulheres foram indicadas ao Oscar de melhor direção (nenhuma negra). Dessas, três levaram: Kathryn Bigelow (“Guerra ao Terror”, 2010), Cloeh Zhao (“Nomadland”, 2020) e Jane Campion (“Ataque dos Cães”, 2021)

A propósito, neste ano, nenhuma mulher concorreu ao Oscar de melhor direção e a única produção assinada por uma diretora a concorrer a melhor filme foi “Entre Mulheres”, de Sarah Polley, que levou o Oscar de melhor roteiro adaptado.

Sarah Polley recebe o Oscar de Roteiro Adaptado por 'Entre Mulheres' - Kevin Winter/Getty Images - Kevin Winter/Getty Images

Sarah Polley recebe o Oscar de Roteiro Adaptado por ‘Entre Mulheres’

Imagem: Kevin Winter/Getty Images

Critérios e diretrizes do Oscar para concorrer a melhor filme*:

STANDARD A: Representação na tela, temas e narrativas

Para alcançar o Standard A, o filme deve atender a um dos critérios:

A1. Atores principais ou coadjuvantes significativos

Pelo menos um dos atores/atrizes principais ou coadjuvantes importantes têm de ser de um grupo racial ou étnico sub-representado (tais como asiáticos, hispânicos/latinos, negros / afro-americanos, indígenas / norte-americanos originários, originários do Alaska, do Oriente Médio ou Norte da África, entre outros)

A2. Elenco Geral e A3. Narrativas e enredo principal
Pelo menos 30% de todos os atores/ atrizes em papéis secundários devem ser de pelo menos dois dos seguintes grupos sub-representados. As histórias, ou o enredo principais, tema ou narrativa do filme deverão ser centrados em um(s) grupo(s) sub-representado(s).

– Mulheres
– Grupo racial ou étnico
– LGBTQ+
– Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, surdas ou com deficiência auditiva

STANDARD B: Liderança criativa e equipe de projeto

Para atingir o Standard B, o filme deve atender a um dos critérios:

B1. Lideranças criativas e chefes de departamento

Pelo menos dois dos seguintes cargos de liderança e chefes de departamento, tais como direção de elenco, diretor de fotografia, compositor, figurinista, diretor, montador, maquiador, figurinista, cabeleireiro, diretor de arte, roteirista, entre outros, tem de ser de grupos sub-representados (mulheres, grupos raciais e éticos, LGBTQ+, pessoas com deficiência cognitiva ou física, ou surdos ou deficiência auditiva)

Pelo menos uma das posições tem de pertencer a grupos sub-representados ou étnicos como asiáticos, hispânicos/latinos, negros / afro-americanos, indígenas / norte-americanos originários, originários do Alaska, do Oriente Médio ou Norte da África, entre outros.

B2. Ou cargos importantes
Pelo menos seis outros cargos de equipe e técnicos (excluindo assistentes de produção) devem ser de um grupo racial ou étnico sub-representado. Essas posições incluem, mas não estão limitadas a Primeiro Assistente de Direção, Gaffer, Supervisor de Roteiro etc.

B3. Composição Geral da Equipe
Pelo menos 30% da equipe tem de ser de grupos sub-representados já citados nos itens acima.

STANDARD C: ACESSO À OPORTUNIDADES DA INDÚSTRIA

Para atingir o Standard C, o filme deve atender AMBOS os critérios abaixo:

C1. Aprendizagem remunerada e oportunidades de estágio

A empresa de distribuição ou financiamento do filme deve pagar aprendizes ou estágiarios que são dos grupos sub-representados já citados nos itens acima e atender aos critérios abaixo:

Os principais estúdios/distribuidores são obrigados a ter aprendizes/estagiários pagos e contínuos, incluindo grupos sub-representados (incluindo também grupos raciais ou étnicos) na maioria dos seguintes departamentos: produção/desenvolvimento, produção, pós-produção, música, VFX , aquisições, negócios, distribuição, marketing e publicidade.

Os mini-majors ou estúdios/distribuidores independentes devem ter no mínimo dois aprendizes/estagiários dos grupos sub-representados acima (pelo menos um de um grupo racial ou étnico sub-representado) em pelo menos um dos seguintes departamentos: produção/desenvolvimento, produção física , pós-produção, música, VFX, aquisições, negócios, distribuição, marketing e publicidade.

C2. Oportunidades de treinamento e desenvolvimento de habilidades (equipe)

A empresa de produção, distribuição e/ou financiamento do filme deve oferecer treinamento e/ou oportunidades de trabalho para o desenvolvimento de habilidades “below-the-line” (abaixo da linha, que não são cargos como direção, roteiro, direção de fotografia etc) para pessoas dos grupos sub-representados já citados nos itens acima.

STANDARD D: Desenvolvimento de Audiência/ Público

Para atingir o Standard D, o filme deve atender ao critério abaixo:

D1. Representação em marketing, publicidade e distribuição

O estúdio e/ou empresa cinematográfica deve ter vários executivos seniores internos entre os seguintes grupos sub-representados (deve incluir indivíduos de grupos raciais ou étnicos sub-representados) já citados nos itens A e B em suas equipes de marketing, publicidade e/ou distribuição.

*Tradução livre para o português



Fonte: UOL Cinema

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