Como ‘The Last of Us’ acertou ao deixar de lado o game que inspirou a série – 17/03/2023

O episódio final de “The Last of Us” foi exibido pela HBO na mesma noite da cerimônia do Oscar. A festa da Academia, porém, não canibalizou o público da série, que em nove capítulos acompanhou com fervor a jornada de Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) em uma América pós apocalíptica.

Foram 8.2 milhões de pessoas ligadas no canal, com números que podem bater nos 40 milhões para os nove episódios da série. Mais gente do que a multidão que acompanhou “A Casa do Dragão”, série que expandiu o mundo de “Game of Thrones”. Para a adaptação de um videogame ancorado no batidíssimo tema “zumbis vs. humanidade”, é um feito e tanto.

Um feito, diga-se, planejado e executado com precisão cirúrgica. Entre um conjunto de fatores, que inclui a excelente escolha de Pascal e Ramsey como protagonistas, uma decisão foi crucial para fazer com que “The Last of Us” não se perdesse entre as dúzias de propriedades intelectuais que quicam por mídias diferentes: deixar o jogo original, e seus entusiastas, no banco do passageiro.

É claro que, ao longo de nove episódios, os criadores da série usaram o game como mapa para desenhar sua trama. Com uma vantagem. Neil Druckmann, criador do jogo original lançado há uma década, teve o tempo a seu favor. Ao escrever a série ao lado de Craig Mazin (de “Chernobyl”), o showrunner usou o distanciamento para lapidar melhor a história e expandir a jornada de Joel e Ellie de uma forma que um videogame jamais conseguiria.

Em outras palavras: como dramaturgia a série supera o jogo em absolutamente todos os sentidos. Ao pilotar um joystick, o jogador imerge em um mundo em que a humanidade viu sua dominância no planeta evaporar com o ataque feroz e progressivo de criaturas, humanas e pós humanas, infectadas com uma mutação do fungo cordyceps.

O game é sofisticado e envolvente, com sua narrativa desenvolvida por cut scenes que amarram a ação em uma história intrigante. Ainda assim, é um jogo. Exige paciência e repetição, com o protagonista sucumbindo inúmeras vezes em uma curva de aprendizado. Não há tensão dramática que resista à solução de uma série de quebra-cabeças glorificados por dúzias de vezes.

Uma vírgula na trama principal

A série, por sua vez, conta com arcos dramáticos interpretados por atores no auge de seu talento e carisma. Ao contrário dos bonecos animados do jogo, Pedro Pascal e Bella Ramsey são pessoas de verdade, com reações emocionais complexas. Como curiosidade, os “intérpretes” dos personagens no game, Troy Baker e Ashley Johnson, ganharam papéis de destaque na série.

Sem as amarras de cumprir fases, “The Last of Us” expandiu seu escopo como série. Personagens apenas sugeridos no mundo digital ganharam recortes dramáticos que enriqueceram a narrativa. O terceiro episódio, “Por Muito, Muito Tempo”, é um respiro que nos mostra a vida de Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), que se apaixonam e constroem uma vida enquanto o resto do mundo desaparece em ruínas. Foi uma vírgula na trama principal que ilustrou um resquício de humanidade em um mundo arrasado.

O fã mais ranheta, por sua vez, apontou o dedo para os criadores de “The Last of Us” cobrando mais ação, mais zumbis, mais adrenalina, mais mortes, mais tudo. É uma turma pequena, porém ruidosa, que não entendeu a proposta da história quando jogaram o game, continuaram no escuro com a série e seguirão espumando até o fim.

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O final de ‘The Last of Us’ ainda segue a trama do game

Imagem: HBO

“The Last of Us”, assim como qualquer boa ideia que envolva zumbis, não é sobre zumbis: é sobre pessoas comuns em uma situação extraordinária. Repetir o ataque furioso dos zumbis devastados pelo cordyceps não ajuda a alavancar a trama. Exatamente por isso que, ao contrário do game, que precisa apresentar desafios constantes às habilidades do jogador, a série os colocou em cena unicamente quando eles serviam a um propósito narrativo, mais especificamente nos episódios dois e cinco.

Embora o tom visual do videogame tenha sido preservado, até para haver diálogo com o material original, são as pequenas diferenças que distanciam “The Last of Us” na TV de seu primo interativo. São momentos de dramaturgia, em que personagens respiram, ponderam e aprendem. Sem ter de resolver enigmas ou de avançar fases. Do lado de cá, no papel de observadores, o impacto emocional é incomparável.

O sucesso de “The Last of Us” abre, por sinal, possibilidades incríveis para as próximas temporadas. Druckmann e Mazin já provaram que é possível expandir com inteligência a trama de um jogo em algo mais rico e completo, sem que para isso a fidelidade à história criada há uma década tivesse de ser sacrificada.

O fim da fidelidade ao jogo

As coisas devem ser diferentes em uma segunda temporada – e além. A continuação do jogo, mais ambiciosa, sofisticada e divisiva, demanda uma narrativa diferente, já que é fragmentada no passado e presente, ancorada por não uma, mas duas protagonistas. Os produtores de “The Last of Us”, por sua vez, já deixaram claro que o plano não é seguir a história como fizeram com a primeira temporada.

É a decisão mais inteligente. “Algumas coisas serão diferentes”, disse Mazin em entrevista à “Variety”. “Às vezes elas serão radicalmente diferentes! Não será mais exatamente igual ao jogo, será a história que eu e Neil queremos fazer.” Os fãs mais radicais terão todos os motivos para surtar. Não importa. No grande esquema das coisas, e com os estaladores preparando um retorno para 2025, eles são irrelevantes. O que importa é contar uma boa história.



Fonte: UOL Cinema

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