Quando Brendan Fraser levou para casa a estatueta de melhor ator na última cerimônia do SAG, o sindicato de atores em Hollywood, somou mais uma premiação à longa fila que aponta para uma vitória no Oscar.
“A Baleia” não só recuperou o astro para a indústria do cinema em um papel de merecido destaque. O drama de Darren Aronofsky escancarou o ator excepcional que Fraser sempre foi, mesmo em uma carreira que muitas vezes o relegou a filmes aquém de seu imenso talento.
Claro que, para garfar o prêmio da Academia, talento é apenas um de muitos fatores. Existe boa vontade entre a comunidade de atores em Hollywood para validar essa segunda chance. Um Oscar seria o símbolo dessa boa vontade, das portas abertas que o levariam a outro patamar.
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O cinema, afinal, adora uma história de segundas chances, mesmo que muitas vezes ela evapore nas mãos de quem enxerga o holofote mais uma vez. O próprio Aronofsky dirigiu Mickey Rourke em um papel redentor com o drama “O Lutador”, mas depois de um breve flerte com o cinemão em “Homem de Ferro 2”, ele voltou para o purgatório dos filmes lançados direto para vídeo.
O caso de Brendan Fraser é radicalmente diferente. “O Homem da Califórnia” o apresentou como o galã perfeito para a década de 1990. Suas credenciais dramáticas ficaram evidentes em seu filme seguinte, o drama “Código de Honra”. Ainda assim, Hollywood o via como ator cômico, e foi assim que ele encabeçou filmes como “Escrito nas Estrelas”, “Os Cabeças-de-Vento” e “O Pancada”.
“George, O Rei da Floresta” mudou o jogo. O sucesso da adaptação do desenho animado dos anos 1960 jogou Fraser para outro patamar, aquele em que ele poderia escolher melhor os projetos que queria participar. Embora entendesse seu valor comercial como astro cômico, vez por outra ele deixava de lados projetos de maior visibilidade para encarar filmes de maior qualidade, como o excepcional “Deuses e Monstros”, com Ian McKellen.
O sucesso de “A Múmia”, em 1999, parecia cravar seu nome entre os grandes astros do novo século. Mesmo filmes equivocados, como o esquisito “Monkeybone”, eram compensados por outra dose de blockbuster, como o inevitável “O Retorno da Múmia”. Nessa época ele recusou fazer a continuação de “George” para trabalhar com Michael Caine no drama “O Americano Tranquilo”.
Cirurgias e depressão
Se aos olhos do público Brendan Fraser se apresentava como um astro boa praça, nos bastidores sua vida pessoal lentamente saia dos trilhos por uma combinação de fatores. Em 2003 ele sofreu assédio pelo então presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, a HFPA, organização responsável pelo Globo de Ouro. Um sinal vermelho foi aceso.
Embora a influência da HFPA entre os estúdios possa ser discutida, a exposição abalou o astro. Logo em seguida ele entrou em um processo de divórcio complicadíssimo, que deu origem a acusações de fraude e pedidos de redução de pensão. A morte de sua mãe foi o golpe derradeiro para disparar uma depressão que o fez desacelerar consideravelmente.
Para piorar, as cenas de ação em seus filmes mais movimentados tiveram impacto em sua saúde, quando ele somou diversas cirurgias – no joelho, na coluna, nas cordas vocais – ao longo de sete anos para tentar se recuperar. Suas tentativas para iniciar novas séries no cinema, como “Viagem ao Centro da Terra” e “Coração de Tinta”, não ganharam tração.
Ainda assim, seu talento dramático era evidente, mesmo em filmes que não alcançavam o público. Eu conversei com Fraser em 2010, no lançamento do drama “Decisões Extremas”, que mesmo com Harrison Ford afundou nas bilheterias. No papo, o sorriso honesto não escondia que o entusiasmo com seu ofício não estava mais lá, mesmo que seu profissionalismo permanecesse impecável.
Nesse ponto, seu futuro parecia ser o mesmo de Mickey Rourke, abraçando uma série de produções de segunda categoria para manter os boletos em dia. Eram filmes invisíveis, como “Uma Dupla Genial”, “A Caça” e “A Rosa Venenosa”. Fraser nunca “sumiu” de verdade, mas mantinha-se fora do radar.
Darren Aronofsky, assim como Woody Allen, faz bem para seus atores. Ele estava de olho no ator de “Polícia Desmontada” desde que o viu em “12 Horas Até o Amanhecer”, drama rodado em 2008 em São Paulo. Quando o projeto para adaptar “A Baleia” do teatro para o cinema chegou ao cineasta, não houve outra escolha a não ser Brendan Fraser.
É curioso que, ao longo de sua carreira, Fraser foi estereotipado como comediante, mesmo que tivesse olhos expressivos. São justamente seus olhos que carregam boa parte do peso dramático de seu personagem em “A Baleia”, um professor preso em seu próprio corpo obeso, assolado por um descontrole alimentar disparado por uma tragédia.
O caminho para o Oscar
Muita gente torceu o nariz com a possibilidade de uma redenção artística de Brenda Fraser por puro preconceito, por enxergar um artista estereotipado em um único gênero. A própria Academia geralmente dá de ombros para a comédia, a ação e a fantasia – atores em filmes de gênero só parecem ganhar o Oscar quando interpretam o Coringa.
A vitória no SAG parece pavimentar a consagração no Oscar. É uma questão de timing. Há alguns meses, eu diria que Austin Butler era barbada para levar a estatueta por “Elvis”. Semanas atrás o foco foi para Colin Farrell em “Os Banshees de Inisherin”. Hoje o vento sopra a favor de uma vitória de Brendan Fraser por “A Baleia”. E não por ele mesmo representar uma história de redenção, e sim porque, neste ano, Fraser trouxe a interpretação mais delicada, emocionante e sensacional entre os indicados.
Fonte: UOL Cinema