Nada mais triste do que ver uma boa ideia sendo espremida até perder seu significado. É o caso de “Triângulo da Tristeza”, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e indicado a três Oscar, inclusive melhor filme.
O diretor e roteirista Ruben Östlund parte de uma premissa bacana – observar o choque social quando a cultura das subcelebridades entra na mistura. Tão fascinante quanto a largada esperta é o tombo espetacular, quando “Triângulo” deixa as ideias de lado e descamba em um didatismo canhestro e desinteressante.
Para defender sua, digamos, “tese”, Östlund cria um universo compacto e o divide em três capítulos. Em cada um ele escancara a abissal diferença econômica e social quando os super ricos passam a dividir o mesmo espaço com a classe menos abastada.
Como reza a cartilha do século 21, o tom é passivo agressivo, quando personagens obviamente pensam uma coisa, verbalizam outra e ninguém se entende. Isso fica claro no brilhante capítulo inicial, que de cara apresenta figuras alinhados com os tempos atuais.
Carl (Harris Dickinson) é modelo e parece que seus neurônios se comunicam o suficiente para ele operar suas funções básicas. Ele namora com a também modelo Yaya (Charlbi Dean, atriz que morreu tragicamente ano passado aos 29 anos), que além de tudo também é influenciadora digital.
Ao acompanhar o casal em um jantar sofisticado, “Triângulo da Tristeza” dá uma aula de gênero, de escala de poder e de desconforto social. O gatilho é a discussão sobre quem paga a conta, que escala para uma reflexão sobre como a beleza e a notoriedade em redes sociais entram na conta dos relacionamentos modernos.
Carl e Yaya logo assumem a posição de observadores quando se encontram a bordo de um iate milionário que recebe passageiros no topo mais inalcançável da pirâmide financeira e social global. O casal, claro, ganhou a passagem como permuta, compensada em intermináveis posts em redes sociais em que eles fingem estar se comportando como seres humanos normais.
Não é preciso dizer que sua atitude irritantemente passiva se encaixa à perfeição no mundo ali desenhado por Östlund. Esse miolo de “Triângulo da Tristeza” é onde o diretor faz seu recorte social, em que os ricos são uma turba desmiolada, arquitetados para que possamos odiá-los sem culpa. A tripulação, por sua vez, é retratada no extremo oposto, uma massa servil e sem personalidade.
Existe aqui espaço para “Triângulo” trazer diálogos espertos, especialmente quando seu diretor se mostra totalmente enamorado em trabalhar com um astro de Hollywood – no caso Woody Harrelson, que faz aqui o capitão marxista do navio. O humor funciona por um tempo, como o capitalista russo que ficou rico “vendendo merda”. Aos poucos, porém, fica claro que a verve ácida de Östlund tem pavio curto, logo sendo substituída pela escatologia.
Qualquer espaço para reflexão ou sutileza desaparece de vez quando os ricos, embalados pelo ritmo do mar, passam a expelir seus fluidos da maneira mais explícita possível. O que seria uma boa piada perde força no momento em que ela passa do ponto. Quando o filme finalmente parte para o terceiro capítulo, sua ideia central evaporou há tempos, restando o tédio de um exercício em obviedade que custa a terminar.
O didatismo de Östlund, que parece nos conduzir pela mão para ver se entendemos suas entrelinhas, é ainda mais grave por não ser sequer uma ideia nova. O “achado” de “Triângulo da Tristeza” é, por fim, isolar parte de seu elenco em uma ilha deserta, com ricos inúteis se vendo nas mãos da criadagem melhor preparada.
Pois bem. Em 1957, Kenneth More encabeçou a comédia britânica “O Mordomo e a Dama”, em que aristocratas ficam presos em uma ilha e, mesmo insistindo na manutenção do tratamento VIP, são confrontados por seu mordomo, o único capaz de se virar. Quem era servo se torna o líder, em uma inversão de papéis resolvida então de forma muito mais inteligente.
“Triângulo da Tristeza” traz todos os elementos de uma comédia ácida, antenada com os anseios do mundo moderno. Por uma hora e meia, o filme é uma sátira irretocável e funciona à perfeição. Seu timing, entretanto, é esmagado pela egotrip de um artista que acredita ter muito mais a dizer do que a bagagem que ele carrega. A indicação de Ruben Östlund ao Oscar de melhor direção é, francamente, uma tistreza.
Fonte: UOL Cinema