Em 2019, a Disney anunciou que refilmaria com atores um de seus clássicos em animação, “A Pequena Sereia”. Para o papel principal foi escalada uma atriz negra, Halle Bailey. Foi o que bastou para as redes sociais se encherem de comentários racistas –afinal, como todo mundo sabe, só existem sereias louras de olhos azuis (contém ironia).
Em 2022, novos ataques à empresa e à atriz surgiram depois que foram divulgadas as primeiras fotos de Halle Bailey caracterizada como a sereia Ariel. O filme finalmente deve entrar em cartaz no próximo dia 26 de maio.
Talvez para evitar um novo reboliço online, a Disney não fez alarde sobre a atriz que interpreta a fada Sininho em “Peter Pan & Wendy”, outra versão com atores para um longa em animação. A internet só se deu conta que o papel é de Yara Shahidi, que é negra, quando o trailer do filme foi lançado na última quarta-feira (1º).
Novamente, as redes sociais manifestaram seu desagrado, mas por razões inesperadas. Sim, houve quem lembrasse que fadinhas voadoras só podem ser louras e de olhos azuis, mas dessa vez os racistas estavam em minoria. A maioria dos comentários negativos acusava a produtora de optar pelo caminho mais fácil para aumentar a representatividade de minorias em seu conteúdo.
“A Disney não se preocupa em criar novas histórias com pessoas não-brancas, ela apenas coloca atores não-brancos para interpretar personagens brancos”, tuitou um internauta. “Isso mostra como a Disney é preguiçosa, e também racista. Pelo jeito, eles acham que pessoas não-brancas não merecem suas próprias histórias.”
A bem da verdade, não é só a Disney que vem trocando a etnia, o gênero e até a orientação sexual de personagens antigos em novos produtos. Velma, da turma do Scooby-Doo, agora é uma lésbica de origem indiana na série que leva seu nome, disponível na HBO Max. Na nova versão da série “Quantum Leap”, recém-chegada ao Globoplay, os protagonistas são interpretados por um ator de origem coreana e uma mulher branca –no original, eram dois homens brancos.
Sem dúvida que essa tendência é saudável, e reflete a sociedade de uma maneira muito mais acurada. Mas existem alguns riscos embutidos. O primeiro é desagradar os fãs do original, que agora precisam se acostumar com a nova aparência de um personagem querido.
Outro perigo é o que está sendo revelado agora: já existe toda uma nova geração que não quer se ver apenas como os novos rostos de histórias clássicas, mas exige novas histórias, em que a problemática de pessoas não-brancas seja explorada de maneira muito mais profunda do que a mera cor da pele.
Curiosamente, a Disney tomou cuidados para que “Peter Pan & Wendy” caísse no gosto da garotada “woke”, que clama por mais representatividade e justiça social. Para começar, trouxe Wendy para o título do filme, dando a ela o mesmo status de protagonista que Peter Pan. Também incluiu garotas na turma dos Meninos Perdidos que habitam a Terra do Nunca, algo que não havia no romance de J. M. Barrie ou no desenho animado de 1953.
Só que até mesmo o Capitão Gancho vem sendo criticado, justamente por ter um gancho no lugar de uma das mãos –o vilão seria a encarnação do capacitismo, o preconceito contra pessoas com deficiência física, pois a amputação de um membro estaria associada a uma falha grave de caráter. Como se vê, está ficando impossível agradar todo mundo.
Fonte: Folha de SP
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