Quem é o adolescente alagoano que produz capas de séries de sucesso na Netflix

Maceió


BBC News Brasil

Gabriel Pereira Santos, 16, só queria fazer thumbnails legais para seu canal de Minecraft no YouTube quando descobriu o interesse por design gráfico.

Tinha 12 anos e usou a plataforma de vídeos como sua professora. Sequer tinha computador: era tudo no celular que dividia com sua mãe, a dona de casa Carla Daniella Pereira Santos.

É claro que a maioria dos talentos não é descoberto sem qualquer esforço ou ajuda e, por isso, o menino passava horas tentando aprender e a executar aquelas tarefas na pequena tela do aparelho. Começou com a thumbnail, aprendeu cartões de visita, cardápios e fez serviços para familiares sob pequenos pagamentos. Ganhou, por exemplo, uma lasanha de uma prima que havia recém aberto um restaurante.

Mal imaginava que, dali a quatro anos, estaria contratado pelo studioFREAK, empresa argentina que tem em seu portfólio a Netflix como cliente.

Gabriel ganhou destaque por conta disso: o menino da periferia que trabalhava para a gigante do streaming.

A matéria publicada pelo Jornal de Alagoas o alçou a estrela municipal. Foi procurado para entrevistas e recebeu mensagens de apoio para que seguisse o caminho.

“Faz quase um ano que fiz meu primeiro contato com a empresa. Eu já fazia alguns trabalhos e fui publicando numa plataforma, sempre curtindo e comentando os conteúdos de estúdios que eu achava legais. Esse me respondeu e eu fiquei sem acreditar. ‘Poxa, é isso mesmo?’. Fiz um teste, já com um documentário da Netflix, eles gostaram e desde então estou prestando serviço”, contou.

Ele fez as artes dos filmes “Que Culpa Tem o Carma?”, “O telefone do Sr. Harrigan”, “Em Todas as Partes” e “A vida de Togo” e das séries “El Rey” e “Gol Contra”. O processo parece simples: o estúdio envia algumas imagens e um briefing do assunto para que a arte possa ser criada. O processo dura dias, mas Gabriel fica com vontade de vê-lo materializado quanto antes.

“Eu acordo às 5h, vou para a escola, volto para casa umas 12h, almoço e já corro para o quarto para começar a fazer o trabalho. Começo nesse horário e vou até 21h, 22h. Meus pais até chamam, mas eu quero é ver como vai ficar aquilo que estou criando. Antigamente, eu ia até a madrugada, mas hoje estou fazendo isso com menor frequência”.

Sob a chamada de vídeo, o quarto de Gabriel era a construção do seu objetivo. Uma cadeira confortável, uma bicicleta, porta fechada e tudo iluminado por uma forte luz vermelha, com teclado igualmente retroiluminado, além de um monitor grande. Nem sempre foi assim. Aquele computador foi um dos primeiros investimentos que ele próprio conseguiu fazer na profissão. O primeiro, porém, veio do próprio pai.

Maurilio Marcos Pereira Santos, preparador de tintas em uma empresa local, viu logo cedo que o filho tinha interesse e, para ajudá-lo a continuar os estudos na área, substituiu o celular da mãe por um notebook ainda inicial, mas que aguentou a correria.

“Um dia, ele me chamou para ir ao shopping comprar um notebook. Fomos, escolhemos o que podíamos, que nem tinha muita potência, e trouxemos para casa. Passei a assistir a ainda mais vídeos, a conhecer os programas de edição que uso até hoje. O YouTube me ensinou tudo e fui aprimorando. Comprei essa máquina atual peça por peça porque o notebook já não aguentava mais. Estava travando muito”, disse, aos risos.

O fiel companheiro continua em casa. “Como nossa televisão não é smart, o notebook se tornou o nosso conversor. É só usar um cabo HDMI e o problema está resolvido.”

Gabriel não é muito fã de assistir a séries e filmes. Embora às vezes receba episódios para produzir as peças, quase nunca “perde tempo” com esse tipo de diversão. Quer mesmo é ficar no computador, onde sente que pode mudar a sua própria vida e a vida de sua família.

“Quando eu comecei a ser pago, meu pai achava que era só uma brincadeira. Eu não tinha conta no banco, então pedi a dele e ele começou a receber esses valores. Ficou surpreso porque ele só me via ali no quarto, trabalhando quietinho. Sei que é motivo de orgulho para eles. E eu me orgulho em poder ajudá-los. Quando eu era mais novo, meu pai e minha mãe garantiam a nossa sobrevivência. Hoje posso dizer que, juntos, garantimos isso.”

Gabriel ainda tem uma irmã mais nova, de 11 anos, chamada Gabrielly.

A pandemia abriu os caminhos para que Gabriel crescesse ainda mais no mercado. As aulas da rede estadual em todo o país tiveram problemas e, em Alagoas, ele diz que ficou quase um ano sem ter aulas. Usou o tempo livre para aprender mais. “Meu pai dizia para eu sair do computador porque iria prejudicar minha visão”, lembra, aos risos.

“Ele mandava todo mundo dormir quando já era tarde e ia junto. Escondido, eu voltava para o computador e ficava lá. Ele vinha me buscar toda vez, mandando parar e tal, e eu não conseguia. A minha vontade continua a mesma hoje em dia.”

Gabriel diz que nunca passou por grandes dificuldades. Por ser de periferia e estudar em uma escola estadual, ele se preocupa com as questões sociais e sente que uma das suas missões é ajudar outros garotos e garotas para conseguirem mudar as suas realidades a partir de trabalhos como o dele.

“Na escola, fizemos uma apresentação sobre nossos sonhos para o futuro e muitos amigos meus se interessaram no que eu estava fazendo. Meu objetivo é poder repassar o que aprendi para as pessoas, seja por meio de um curso, pelo exemplo. É bom saber que o mundo também pode nos dar oportunidades. Meu outro objetivo também é parecido. Eu quero ser referência na minha área.”

Além dos trabalhos para o studioFREAK, Gabriel também constrói projetos com o designer Jack Usephot, uma de suas inspirações no mundo do design.

Este texto foi originalmente publicado aqui.

Fonte: Folha de SP

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