Não dá para torcer por ninguém na última temporada de ‘Succession’

De vez em quando, uma série de TV captura o espírito de uma época, o famoso “zeitgeist”, e se transforma num fenômeno de proporções globais. “Breaking Bad” e “Game of Thrones” já ocuparam este posto; a bola da vez é “Succession”, cuja quarta e última temporada está sendo exibida pela HBO.

Criada pelo roteirista britânico Jesse Armstrong, “Succession” é vagamente inspirada na figura épica do empresário Rupert Murdoch, controlador da News Corp, um dos maiores conglomerados de mídia do planeta.

Ao longo de quatro temporadas, a série imaginou o que aconteceria se um Roy Logan (Brian Cox), um magnata do porte de Murdoch, estivesse prestes a sair de cena e não soubesse para qual dos quatro filhos deixar as chaves de seu império.

A dúvida é razoável, porque nenhum dos herdeiros ostenta a competência do pai. Os três homens são todos patéticos, em graus variados. Connor (Alan Ruck), fruto do primeiro casamento de Roy, sonha em ser dramaturgo, apesar de seu escasso talento. Também é o mais desinteressado dos quatro em comandar a Waystar Royco, o grupo empresarial da família.

O mesmo não pode ser dito de seus três meios-irmãos mais novos. Kendall (Jeremy Strong) parecia ser o mais preparado, mas é emocionalmente instável. Roman (Kieran Culkin) não consegue dizer uma frase que não seja recheada de grosserias e palavrões. Siobhan (Sarah Snook), a única mulher, poderia ser uma executiva eficiente, mas foi minada pelo próprio pai a vida toda.

Ex-marido de Siobhan, Tom Wambsgans (Matthew MacFayden) é ambicioso, mas tem o dom de dizer a coisa errada na hora errada. Sua falta de traquejo só é superada pela de Greg (Nicholas Braun), sobrinho pobre de Roy Logan, que comete uma gafe atrás da outra e é o mais engraçado de todos.

Com essa turma de incapazes disputando a primazia da Waystar Royco, “Succession” é uma sátira ao capitalismo, à meritocracia e à vaidade humana. Os jovens Logan poderiam muito bem curtir a vida mansa de bilionários e delegar o comando das empresas a profissionais, mas se sentem impelidos a provar ao pai que são tão bons quanto ele.

É a incompetência generalizada dos protagonistas que faz de “Succession” um programa irresistível. Os diálogos ferinos, talvez os melhores da TV atual, são a cereja do bolo. Tem algo de reconfortante em ver ricaços se dando mal, mas a complexidade dos personagens faz com que a série vá além da mera ironia.

O que não quer dizer que “Succession” seja perfeita. A terceira temporada conseguiu a façanha de não avançar a trama em um milímetro, e alguns episódios da quarta se ressentem do mesmo problema. Todo mundo briga, todo mundo grita, e no final do dia as coisas continuam no mesmo lugar onde estavam antes.

Por isto mesmo, é de se aplaudir a decisão de Jesse Armstrong de encerrar a série já na quarta temporada. A HBO bem que gostaria de pelo menos mais duas, mas o showrunner tomou a decisão correta. Está mais que na hora de sabermos com quem a Waystar Royco vai ficar. Mesmo que não possamos torcer, em são consciência, por nenhum dos pretendentes ao trono.

Tony Goes tem 62 anos. Nasceu no Rio de Janeiro, mas vive em São Paulo desde pequeno. Já escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. E atualiza diariamente o blog que leva seu nome: tonygoes.com.br

Fonte: Folha de SP

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