‘A Lição’ se torna novo sucesso global coreano e faz Netflix ampliar investimento em k-dramas


Jin Yu Young


Matt Stevens

Seul


The New York Times

“Alguém, por favor, me ajude!”, grita Dong-eun, uma estudante do ensino secundário, enquanto um colega de classe crava um modelador de cabelo em seu braço e outros dois algozes a seguram.

A cena macabra, em um ginásio de escola, é um dos primeiros momentos cruciais de “A Lição”, drama em 16 episódios centrado em bullying, status social e vingança que se tornou o mais recente grande sucesso no fluxo constante de produções sul-coreanas a se tornarem hits na Netflix. O primeiro desses grandes sucessos, “Round 6”, se tornou a série mais popular de todos os tempos no serviço de streaming.

“A Lição”, lançado em duas partes, em dezembro e março, agora ocupa o quinto posto entre os maiores sucessos da Netflix em idiomas que não o inglês. Os executivos disseram que ficaram um tanto surpresos ao ver como a série se saiu bem internacionalmente, observando que ela ficou entre as 10 séries em idioma não inglês mais assistidas em 91 países.

A série foi um dos sucessos coreanos, juntamente com “Round 6” e “A Batalha dos 100”, que Ted Sarandos, copresidente executivo da Netflix, mencionou no mês passado quando se reuniu com o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol. Durante a reunião, anunciou um investimento de US$ 2,5 bilhões (R$ 12,33 bilhões) em conteúdo sul-coreano nos próximos quatro anos e observou que as histórias criadas no país “estão agora no centro do zeitgeist cultural mundial”.

Don Kang, vice-presidente de conteúdo da Netflix para a Coreia do Sul, disse que foi emocionante ver a série decolar em todo o mundo. “‘A Lição’ é um ótimo exemplo de uma história que ressoa autenticamente com o público local, mas também retrata temas de psicologia humana e questões sociais com os quais o público de todos os lugares pode se identificar”, ele disse em uma declaração ao The New York Times.

“A Lição” gira em torno de Moon Dong-eun, que tem como missão na vida se vingar das pessoas que a intimidaram no ensino médio. Suas cicatrizes servem tanto como lembretes físicos da dor que sofreu nas mãos dos valentões quanto como motivação para sua busca por vingança, que já dura anos. À medida que envelhece e desenvolve seu complicado esquema de vingança, ela se transforma de vítima em agressora.

Ao entrelaçar os temas de bullying e vingança —enredos que animam dramas há séculos—, “A Lição” atraiu multidões de espectadores ávidos por justiça, na Coreia do Sul e em outros países, mesmo sem contar com os cenários grandiosos e o visual impressionante que impulsionaram a popularidade de “Round 6”.

Dirigentes da Netflix disseram que estavam satisfeitos por descobrir que um drama cujo foco eram a trama e os personagens poderia viajar tão bem quanto “A Lição” fez. Eles disseram que haviam decidido logo no início lançar os episódios em dois lotes, em parte devido ao peso do conteúdo.

Em um país em que as redes de televisão tradicionais ainda censuram o fumo, a Netflix está entre as plataformas que abriram caminho para que os criadores de conteúdo se aprofundassem em temas que há muito tempo eram considerados como excessivamente arriscados, disse Yu Kon-shik, professor adjunto de comunicações da Universidade Konkuk, em Seul, e parte do comitê de planejamento de produção da rede de TV aberta Korean Broadcasting System.

Os fãs de “A Lição”, alguns dos quais relembraram experiências pessoais como vítimas de bullying, admitiram que acham gratificante e catártico ver Dong-eun acabar com a vida de seus inimigos, mesmo quando ela faz coisas que eles jamais considerariam.

“‘A Lição’ é uma história de vingança lenta”, disse Amy Lew, de Temple City, Califórnia, cujos filhos sofreram bullying na escola. “Esse é o lado negro de todo mundo, certo? Você quer ver o azarão vencer.”

Há um motivo pelo qual tantas pessoas se identificam com o tema da série. Quase um terço dos estudantes do planeta relataram ter sofrido bullying em 2019, de acordo com um relatório da Unesco, que também constatou que a incidência de bullying aumentou em quase 20% dos países. E, embora os relatos de violência escolar na Coreia do Sul sejam relativamente modestos —cerca de 2% dos alunos relatam ter sido vítimas, de acordo com o Ministério da Educação do país—, os números reais talvez sejam mais altos, porque muitos alunos têm medo de se manifestar, disse Kim Tae-yeon, um advogado de Seul especializado no assunto.

A ressonância de “A Lição” e seus temas fizeram com que o programa ficasse na lista mundial dos 10 mais assistidos da Netflix para programas em idiomas que não o inglês por 13 semanas (a série ficou apenas três semanas na lista dos programas em idiomas que não o inglês mais assistidos nos Estados Unidos). A série é um dos quatro programas coreanos que entraram para a lista das séries em idioma não inglês mais assistidas em todos os tempos na Netflix, em companhia de “Round 6”, “All of Us Are Dead” e “Uma Advogada Extraordinária”.

Agora, a empresa espera aproveitar esses sucessos lançando mais de 30 séries, filmes e reality shows coreanos este ano. No final de março, apenas três semanas após o lançamento do segundo lote de episódios de “A Lição”, a Netflix começou a exibir um novo novo thriller coreano, “Kill Boksoon”.

O filme passou as últimas cinco semanas entre os 10 mais assistidos em idioma não inglês, no ranking da Netflix.

O sucesso mundial das produções coreanas demonstra o alcance internacional da Netflix —que pode legendar ou dublar programas em mais de 30 idiomas— e o poder crescente de Seul como um polo de criação, disse Kang.

“A Coreia do Sul é uma potência entre os criadores de histórias, com a capacidade de mostrar a cultura do país e questões exclusivamente coreanas”, ele disse, “ao mesmo tempo em que transmite emoções universais que ressoam com pessoas de todo o mundo”.

Tradução de Paulo Migliacci

Fonte: Folha de SP

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