Confira o que inspirou as visões de ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’


The New York Times

No sucesso animado “Homem-Aranha: No Aranhaverso” (2018), Miles Morales, um super-herói teen do Brooklyn em processo de desenvolvimento recebe várias visitas inesperadas de outras dimensões. Na sequência do filme, “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, é Morales (dublado por Shameik Moore) quem precisa seguir Gwen Stacy (Hailee Steinfeld), uma versão da Mulher-Aranha, para novos mundos habitados por outras pessoas-aranha.

Para os diretores Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson, a premissa, em que Miles agora é viajante e não anfitrião, os autorizou a ampliar seus horizontes estéticos. Desta vez a tarefa não se limitou à criação de personagens de design singular habitando um universo único, mas de mundos inteiros baseados nas múltiplas sagas em quadrinhos que reinterpretaram o paladino aracnídeo criado por Stan Lee e Steve Ditko.

“É quase como se estivéssemos pulando de um livro para outro”, falou Thompson. “A meta foi levar as pessoas numa viagem e celebrar todos esses artistas diferentes e deslumbrantes.”

Para isso, a produção foi direto à fonte e convidou alguns dos responsáveis por aquelas visões alternativas de “Homem Aranha” a participar do desenvolvimento do filme. Rick Leonardi, que desenhou o gibi “Homem-Aranha”, ajudou a criar ferramentas de animação 3D que pudessem emular seu trabalho gráfico. E Brian Stelfreeze, artista veterano da Marvel Comics, foi imprescindível para idealizar a visão de Jessica Drew/Mulher-Aranha do filme.

Os três cineastas participaram de uma entrevista em vídeo falando de locais diferentes em Los Angeles, cidade que poderia ser vista como um Aranhaverso, ela própria, e dissecaram algumas das outras ideias que circularam em seu pool de referências.

Leonardo da Vinci e a Royal de Luxe

No início dessa aventura no multiverso, um vilão chamado Abutre aparece inesperadamente no mundo colorido de Gwen. Habitante de outra realidade, o personagem monocromático que brande gadgets diversos e parece ter sido desenhado em pergaminho precisava mostrar imediata e claramente que se sentia um alien no mundo que estava invadindo. Seu desenho foi inspirado em esboços do artista e inventor renascentista Leonardo da Vinci.

“As engenhocas de Abutre eram como uma versão hiper-realizada de muitas das invenções insanas idealizadas pelo próprio Da Vinci, algumas das quais eram malucas e outras extremamente avançadas para seu tempo”, disse Dos Santos. “Outras ainda eram francamente assustadoras.”

Outra inspiração crucial para o desenvolvimento inicial do personagem foi o trabalho da Royal de Luxe, companhia de teatro de rua sediada em Nantes, na França, e especializada na criação de marionetes enormes.

“Digam o Que Quiserem”

O único momento que Miles e Gwen têm a sós e em tranquilidade no filme inteiro ocorre quando estão olhando para um horizonte invertido de Nova York. Apesar de ser deslumbrante e significativa, a sequência entrou e saiu do filme diversas vezes.

“Ela teve que realmente conquistar seu lugar no filme”, explicou Powers. Ao longo desse processo ele ficou pensando no romance cândido “Digam o Que Quiserem”, de Cameron Crowe. O protagonista desse filme de 1989, Lloyd Dobler (John Cusack), tenta convencer sua amada, Diane Court (Ione Skye), a dar uma chance a eles dois, um par improvável, apesar de o pai dela desaprovar.

“Há um paralelo aqui, sem dúvida, porque Gwen tem essas figuras mentoras em sua vida que a aconselham a manter distância de Miles Morales por motivos que nossa plateia vai acabar descobrindo”, comentou Powers.

Mas é claro que um momento totalmente romântico, estilo Cameron Crowe, entre duas pessoas-aranha com poderes fantásticos, só poderia acontecer em um cenário fora do comum –no caso, uma torre de relógio, enquanto ambos estão pendurados de cabeça para baixo.

“Cinderela”

O mundo de Gwen é como um anel do humor que reage às emoções dela. Por exemplo, se ela está com raiva, a tela fica vermelha e a atmosfera esquenta. Quando a confusão toma conta dela, o mundo fica fragmentado. Segundo Thompson, “Cinderela” –o clássico animado da Disney de 1950— serviu como referência.

“Me lembro de ter visto quando criança a cena em que as meias-irmãs malvadas de Cinderela rasgam o vestido dela, e o pano de fundo e o ambiente começam a reagir ao trauma emocional que ela está sofrendo”, ele contou. Para ele, esses momentos no microcosmo reativo de Gwen conduzem o filme a seu registro mais experiencial.

Laboratório de Propulsão a Jato

A produção do filme visitou o centro de pesquisas e desenvolvimento da Nasa em La Cañada Flintridge, Califórnia, para pesquisar como tecnologia de ponta poderia ser aplicada aos personagens do filme. Eles queriam visualizar como Miguel O’Hara, o geneticista brilhante que vira o Homem-Aranha do ano 2099, poderia criar um wingsuit (traje planador) high tech, que não rasgaria e possuiria capacidade de voo poderoso, e de que materiais ele poderia ser feito se existisse em nosso mundo.

Para otimizar o look de Spider-Byte, uma pessoa-aranha que combate o crime em um multiverso ciberespacial e parece translúcida, os cineastas exploraram técnicas atuais que estão na cúspide de criar hologramas tridimensionais em tempo real. “Não estamos apenas colocando Spider-Byte na tela e a deixando levemente opaca”, disse Thompson. “Há técnicas específicas que estudamos a fundo para conferir a ela uma presença na tela que faz parecer que ela é mais do que simplesmente alguém que está usando um traje especial.”

“Caçadores de Emoção” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”

Para Powers, houve duas referências de grande desenvolvimento de um personagem por meio de uma sequência de ação que se infiltraram no mundo retro-futurista de “Homem-Aranha 2099”. Um deles é a perseguição a pé em “Caçadores de Emoção”, de Kathryn Bigelow, em que Johnny Utah (Keanu Reeves) tenta agarrar Bodhi (Patrick Swayze). “Foi bizarra e divertida. Consolidou coisas que ficamos sabendo sobre os personagens desde o começo do filme, ou seja, que Johnny Utah machucara o joelho jogando futebol americano”, disse Powers. Uma perseguição semelhante acontece em “Através do Aranhaverso”.

A outra referência presente na cabeça de Powers foi “Onde os Fracos Não Têm Vez”, dos irmãos Coen. Nesse filme, Llewelyn Moss (Josh Brolin) não se rende ao matador psicopata Anton Chigurh (Javier Bardem). Mesmo que a resolução final seja inevitável, Moss revida e “desfere seus socos”, como disse Powers.

“Miles também é perseguido, mas queríamos que ele desferisse seus socos, ainda assim.”

Tradução de Clara Allain

Fonte: Folha de SP

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