Margot Robbie e Ryan Gosling dizem como foi lidar com a fama e as polêmicas de Barbie e Ken

Beverly Hills


The New York Times

Criar um trabalho inspirado em um artefato cultural como a Barbie pode ser um esforço traiçoeiro. Se você se aproximar demais do material original, será visto como redutivo. Se se afastar muito da fonte, isso será interpretado como falta de respeito. Some-se a isso o fato de que a Barbie é uma das marcas mais conhecidas –e mais problemáticas— do mundo, e é fácil ver como tudo pode dar tão errado.

No entanto, foi exatamente esse cálculo de risco que atraiu Margot Robbie para essa boneca de plástico que projeta ideais corporais pouco saudáveis e, ao mesmo tempo, empoderamento feminino. Robbie pode parecer o estereótipo da Barbie, mas ela própria, quando era criança, não se interessava muito em brincar com a boneca tão perfeita (preferia brincar ao ar livre na Austrália, seu país).

Mesmo assim, como produtora altamente participativa de filmes como “Eu, Tonya” e “Bela Vingança”, ela acompanhou a progressão dos esforços da Mattel para criar um filme “Barbie” de live-action precisamente por conta de sua dificuldade. “Barbie é tão icônica, mas também tão complicada”, disse Robbie, que produziu “Barbie” com seu marido, Tom Ackerley, e a firma deles, LuckyChap Entertainment.

“Houve problemas reais com Barbie ao longo dos anos e também houve amor de verdade”, ela disse, falando com seu sotaque australiano cantado. “A discussão não parou de evoluir. Em última análise, acho que é uma discussão que estamos tendo sobre nós mesmos, mas que é fácil atribuir à Barbie.”

Robbie e seu Ken, Ryan Gosling, estavam falando comigo em Beverly Hills algumas semanas antes da estreia do filme, em 21 de julho, uma data que virou uma batalha dos gêneros nas bilheterias opondo “Barbie” a “Oppenheimer”, drama histórico de três horas de duração sobre a produção da bomba atômica, dirigido por Christopher Nolan.

Isso não impediu Robbie e Gosling de ficar empolgadíssimos com o que criaram e com a compreensão profunda da roteirista e diretora Greta Gerwig com o material (Gerwig co-escreveu o roteiro com seu parceiro, Noah Baumbach).

Gosling comparou o trabalho dela à lata de sopa Campbell’s de Andy Warhol: “É mostrar como arte esse objeto que você já viu um milhão de vezes”, ele disse. “A partir do momento que li o roteiro, senti que estava vendo todas essas coisas em volta sob uma ótica totalmente nova, profunda e hilária.”

Em um email Gerwig comparou seus astros a “carros de corrida de primeira linha simplesmente passando tempo juntos e, às vezes, competindo, mas só de curtição”, acrescentando: “Acho que os dois ficaram encantados um com o outro”.

Em nossa conversa, Robbie e Gosling falaram de leituras do roteiro feitas nas noites de sexta-feira com executivos da Mattel, como Ken é visto na família de Gosling e alguns dos aspectos mais espinhosos de Barbie. Seguem trechos editados.

Barbie não chegou a ter impacto significativo sobre a vida de vocês quando eram crianças, certo?

ROBBIE: Não sei se eu tinha minha própria Barbie, mas eu brincava com a de minha prima. Acho que fazíamos todas as coisas que todas as crianças fazem, inclusive bater uma na outra. Não sei realmente o porquê disso, mas estava tentando descobrir.

GOSLING: Eu estava trabalhando. Dançando no shopping e cantando em casamentos.

Sem tempo para brincar com Barbie.

GOSLING: US$ 20 (cerca de R$ 95 no câmbio atual) por canção.

ROBBIE: Que bacana!

GOSLING: Deixei aquele cara se aposentar, porque ele me trouxe até aqui. Mas tive que chamá-lo de volta para este filme. Um último assalto.

Como foi quando vocês enviaram o roteiro à Mattel pela primeira vez?

ROBBIE: Tom e eu ligávamos para os executivos principais da Warner e da Mattel antes. Tomávamos o cuidado de fazê-lo numa noite de sexta. Dizíamos: “Vá preparar um drinque, seu coquetel favorito. Queremos que você se sente. Agora prepare outro desses coquetéis, aí comece a ler o roteiro e simplesmente embarque na viagem”. Ou seja, achávamos que eles diriam “não” e pensávamos que se eles estivessem levemente bêbados, poderiam abrir a cabeça para ver o quanto a proposta era divertida.

Era todo um processo. Tínhamos discussões de seis horas de duração com as equipes da Mattel. Perguntávamos: “Por que esta linha daqui deixa vocês assustados?”. Já havíamos feito o processo de entender o que eles construíram. Passamos tempo na sede da Mattel, fomos às fábricas, observamos eles fabricando uma boneca, conversamos com as pessoas que as fabricam. Eles sabiam que estávamos partindo de uma base de respeito pela marca.

Mas, ao mesmo tempo, era preciso poder apontar para todas as coisas que as pessoas já acharam problemáticas na Barbie. Greta nos dizia para enfatizar isso, que seria mais interessante.

Quais eram as maiores preocupações deles?

ROBBIE: Havia uma lista comprida de preocupações. Mas tínhamos liberdade total. Eles não podiam ditar o filme, mas tampouco queríamos fazer um filme que eles não quisessem apoiar.

Algumas coisas são minúsculas, como ela aludir a si mesma como a Barbie Estereotípica. A palavra “estereotípica” tem conotações negativas. Perguntaram se poderíamos considerar um termo diferente. Falei que sim, claro: “Poderíamos chamá-la de Barbie Genérica, Barbie Original ou Barbie Loira”. Mas a palavra “estereotípica” é importante porque ela já está se cercando de parâmetros dos quais vai se libertar mais para frente. Então isso é importante para a jornada dela. Ela precisa começar ali, chamando a si mesma de Barbie Estereotípica, porque já está se desmerecendo sem se dar conta disso.

Ryan, pode descrever como você se sentiu quando primeiro leu o roteiro?

GOSLING: Bem, a página do título dizia “Barbie e Ken”, mas o Ken havia sido riscado. Não era o que eu esperava, obviamente. É projetado com tanta elegância por Greta e Margot para ser como um parque temático ou algo assim em que você não precisa realmente de um mapa. Já é tudo feito para que você toque em todos os pontos que elas querem, sem tomar conhecimento disso. Peguei carona na onda e ainda estou nela. Não quero sair do parque. Elas estão me expulsando. “O parque vai fechar, senhor.” Mas eu pedi churros e estão para chegar, eu juro!

O que vocês dois têm a dizer sobre a miniconfusão em torno da idade de Ken e de Ryan ser velho demais para representá-lo?

GOSLING: #NãoÉMeuKen.

ROBBIE: Tecnicamente falando, Barbie e Ken já estão na casa dos 60 anos, então não tem importância. A primeira coisa que pensei foi que os personagens de “Grease – Nos Tempos da Brilhantina” deveriam supostamente ser alunos do ensino médio e, em nenhuma das 150 vezes que assisti ao filme ao longo dos anos, eu deixei de curti-lo porque pensei “tenho que checar a idade desses atores”. Eles encontraram as pessoas mais talentosas e carismáticas para me deixar deslumbrada. E é por isso que amo esse filme.

GOSLING: Para falar a verdade, eu duvidava do que acabei entendendo como “Kenergia”. Mas no final, eu confio em Margot e Greta. Elas tinham uma visão tão clara que resolvi simplesmente tentar dar o máximo de mim como Ken.

Quem foi Barbie para você, Margot?

ROBBIE: Uma das primeiras coisas que Greta disse foi que queria que Barbie seguisse a jornada do herói clássico, como a jornada de Buda até a iluminação. Eu estava lendo o livro de Joseph Campbell “O Herói de Mil Faces” na época e falei: “Sei exatamente o que você quer dizer”. Eu nunca antes havia representado uma personagem que fez a jornada do herói clássico. Então isso foi realmente interessante.

Houve algum aspecto da personagem ou da história que te deixou apreensiva?

ROBBIE: Eu não queria que ela parecesse superficial ou burrinha, porque ela é realmente inteligente. Ela só não foi exposta a muitos conceitos. É mais como a diferença entre ser ingênua e ser cabeça oca. E há a questão de entender o relacionamento com Ken. Ela não respeita Ken no começo.

Ryan, como você se preparou para o papel?

GOSLING: Foi difícil me preparar para esse papel porque não era possível segui-lo. Tinham escrito o papel com muita empatia pela situação dele. Havia tantas nuances e insights sobre como poderia ser essa experiência que quando eu estava no quintal de minha casa um dia e vi um Ken jogado no chão, com a cara enfiada na lama, ao lado de um limão amassado, pensei: “Sim, a história dele precisa ser contada”.

Era assim que suas filhas tratavam Ken?

GOSLING:
Barbie aterrissou na minha casa ao mesmo tempo que o roteiro, basicamente. O que achei interessante é que minhas filhas [ele tem duas, de 7 e 8 anos, com Eva Mendes] não se limitam a pentear e vestir as Barbies. Nenhuma delas tem o nome Barbie. Todas têm histórias passadas complicadas, vidas próprias, relacionamentos, esperanças, sonhos. É incrível como é complexo o mundo que elas criaram.

Como suas filhas reagiram quando souberam que você faria o papel de Ken?

GOSLING:
Ficaram confusas. Por que Ken? Elas nem o chamam de Ken. Um deles se chama Darrell. Darrell trabalha num supermercado. O nome de uma das Barbies é Aula de Ginástica. Aula de Ginástica conheceu Darrell no supermercado, mas ela está focada sobre ela mesma no momento.

Elas acharam que Ken não era digno de ser representado por você?

GOSLING: Ken não é uma presença no mundo delas. Elas dizem algo como “o que há para brincar com ele? Tem alguma carne nesse osso?”.

Como você descreve o tom desse filme, que é muito específico?

ROBBIE: Se eu fosse diretora de estúdio e tivesse que atribuir um gênero ao filme, diria que é uma aventura cômica. Odeio classificações. Eu queria que todo o mundo pudesse conhecer Greta, e então eu diria que o tom do filme é Greta. Ela é inteligente, charmosa, divertida –e super talentosa, mas modesta, e super calorosa. Todo o mundo fica à vontade para falar com ela. Para mim, o filme encarna tudo que eu gosto mais em Greta.

GOSLING: Eu não me arriscaria a explicar o filme da Barbie.

[Gerwig sugeriu: “Busca espiritual derretimento emocional festa de dança anárquica” e perguntou: “Isso é um tom?”]

O que é interessante, Ryan, é que você, essencialmente, está representando o papel que é tradicionalmente o da mulher: você é coadjuvante da protagonista, e seu físico é alvo de muito mais atenção que o da Barbie. Você tem que tingir o cabelo. Como foi isso?

GOSLING: Adorei. Me senti em casa. Foi natural para mim. Cresci numa casa comandada por mulheres. Hoje vivo numa casa comandada por mulheres. Minha irmã não tinha Barbies, mas ela é minha irmã mais velha e era minha heroína. Ela me levava à escola e me protegia; era a presidente da escola. Ela era minha líder e eu ficava feliz em segui-la. Para mim, o filme teve muito a ver com voltar a ser criança, então eu mergulhei nessa dinâmica com muita facilidade.

Como vocês dois trabalharam juntos? Ouvi dizer que Margot te levava presentes, Ryan.

ROBBIE: Eu o subornava. Essa é a base de nosso relacionamento.

GOSLING: Começou como brincadeira em uma mensagem de texto.

ROBBIE: Venha fazer o filme da Barbie e eu te comprarei um presente todo dia.

GOSLING: De repente havia um presente cor-de-rosa da Barbie para o Ken todos os dias, ao longo de uma filmagem que levou muito tempo. Parecia insustentável. Pensei: “Isso daqui vai ter que parar em algum momento”. Houve vezes no set quando eu recebia um colar de conchas. Muito obrigado. Você não precisa continuar mais fazendo isso. Você deve ter outras coisas a fazer, tipo produzir um filme, estrelar um filme e comandar uma empresa. E produzir filmes de outras pessoas. Não precisa continuar a se preocupar com isso.

ROBBIE: Eu mergulhei fundo na brincadeira.

Qual foi o presente mais bizarro?

GOSLING: Ela me deu de brincadeira um livro sobre cavalos [se há algo no filme que Ken gosta tanto quanto Barbie, são cavalos], e eu li e amei. Achei que daria um filme muito bacana. Foi muito inesperado. Pensei: será que tenho que fazer este filme? Será que Margot tem que produzi-lo?

ROBBIE: Quando ele chegou ao set, falou: “O livro é muito bom”. Achei que ele estava sendo um pouco como Ken, então respondi “ah, sim, um homem e um cavalo”.

GOSLING: Não fale demais, não quero que muita gente saiba sobre esse livro.

ROBBIE: Ele incluiu o livro na cena em que eu chego à porta dele e ele fala “uau, você me pegou lendo” e ergue o livro rapidamente.

GOSLING: Agora você identificou o livro.

ROBBIE: Vamos comprar os direitos.

Vocês filmaram a maior parte de Barbie Land nos estúdios Leavesden, perto de Londres, e depois foram a Los Angeles filmar em Venice Beach. Como foi isso?

GOSLING: Eu não havia previsto que quando estava sendo Ken nos estúdios Leavesden, teria que ser Ken em público. Eu não recomendaria isso para ninguém.

ROBBIE: Depois de Barbie Land, fomos para o mundo real no calçadão de Venice, vestindo algo pouco sutil e com centenas e centenas de pessoas nos assistindo. Foi perfeito, porque era assim mesmo que Barbie deveria se sentir naquele momento: exposta e vulnerável. Eu sabia que teríamos que filmar no calçadão, e na minha cabeça eu imaginara que seria assim. Que seria um pouco caótico. Mas a energia foi intensa. Eu só queria voltar para Barbie Land, onde tínhamos nossa bolha, que é exatamente a jornada de Barbie.

Você sentiu a mesma coisa, Ryan?

GOSLING: Bom, eu não tinha treinado andar de patins in-line. Nunca me senti mais Ken na vida, porque Margot estava se esforçando para esconder sua decepção.

ROBBIE: Não estava!

GOSLING: Margot é uma das pessoas mais preparadas e competentes que já conheci na vida. Você pode colocá-la em qualquer situação e ela saberá como se virar. Se você estivesse num avião e um dos motores tivesse uma pane, ia querer que Margot estivesse lá. Então o fato de eu não ter praticado minha patinação foi uma decepção profunda para ela –consegui enxergar isso em seu olhar. Ela estava tentando disfarçar. O que foi incrível é que havia parentes dela ali e eles não disfarçaram nada. Disseram: “Se fosse Margot, ela teria treinado”.

Tradução de Clara Allain

Fonte: Folha de SP

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