São Paulo
Em menos de três anos, a inteligência artificial (IA) passou a dominar traduções, edição de textos, produção de imagens e automatizou processos que pareciam apenas possíveis de serem executados por humanos.
É com essa percepção de mundo que Gareth Edwards, diretor de filmes como “Godzilla” e “Rogue One: Uma História de Star Wars“, passou a se preocupar com o que mais essa tecnologia seria capaz de transformar e chegou ao roteiro de “Resistência”, que estreia nos cinemas brasileiros na quinta-feira (28).
De cara, o longa parece ser aqueles filmes com cara de blockbuster e cheio de efeitos especiais —e forte candidato a causar um certo tédio em quem não é fã do gênero. Mas basta ver os primeiros 15 minutos de exibição para entender que a discussão consegue ser mais profunda: estamos em 2060 e o governo dos EUA declarou guerra contra toda a inteligência artificial após um robô lançar uma bomba nuclear contra Los Angeles.
Do outro lado do mundo, na agora chamada “Nova Ásia”, a sociedade segue permeada por robôs e sistemas automatizados. Preocupado com o que mais pode ocorrer com o resto da humanidade e com um gostinho de “Star Wars” (segura essa, George Lucas), os Estados Unidos enviam o agente da força espacial Joshua (John David Washington) para se infiltrar e erradicar seu líder, um cientista chamado O Criador.
Nessa divisão global, parece até que Edwards insiste naquela velho conceito de que ocidente e oriente não se misturam. O cineasta, no entanto, garante que é só uma percepção visual mesmo —sem guerras, por favor. “Como essencialmente você acaba em lugares como Hong Kong, Bancoc ou Tóquio, onde está em uma metrópole que parece algo de ‘Blade Runner‘, mas se você apenas descer aquela rua e virar à esquerda, há um pequeno templo e um monge budista”, justificou ele em entrevista.
“Eu adoro esses opostos extremos, essas contrastantes visuais. É como se houvesse uma energia nisso, como uma bateria, como um positivo e um negativo. E você está sempre procurando por isso como cineasta, em histórias e visuais, sabe, em todos os aspectos.”
“Resistência” traz surpresas ao longo de suas um pouco mais de duas horas de duração. No aspecto visual, é possível o espectador se aventurar por diferentes monumentos globais. Computação gráfica? Mais ou menos. Edwards afirma que a parte mais trabalhosa foi realizada durante a edição mesmo, privilegiando imagens registradas por câmeras em cenários reais e editadas em estúdio.
Até mesmo o Himalaia surpreende: o cineasta levou o protagonista Washington para filmar na cadeia de montanhas. “Para irritação das pessoas que queriam ter umas férias no Nepal, não levamos a equipe de som para aquela pequena filmagem, porque era muito remota”, diverte-se Edwards.
Até os moradores de uma pequena vila próxima ao templo budista, que aparecem em um trecho importante, são reais. Crianças figurantes toparam raspar as cabeças para interpretar monges robôs. “Foi meio surreal. Você pensa que haverá um problema, mas todos ficam realmente empolgados por estar em um blockbuster de Hollywood“, comemora.
Ao todo, foram locações em oito países diferentes, com extensas horas de gravações. Ou seja, mesmo sendo uma impressionante ficção científica, foi feito de tudo para o real se sobressair. No fim, a proposta é mesmo causar um choque de reflexão no espectador: muitas coisas que parecem verdadeiras, certas, podem estar erradas.
“Isso faz você questionar suas próprias crenças e acho que esse é o melhor tipo de ficção científica”, aponta o cineasta. “Neste filme, estamos usando a IA como uma metáfora para pessoas diferentes de você mesmo, foi assim que começou. Mas, obviamente, no último ano ou mais, isso se tornou bastante real. É muito surreal o que está acontecendo agora.”
Segundo Edwards, “Resistência”, sobretudo, é um estudo profundo sobre o quanto vamos nos render à inteligência artificial. Ou não. “Acho que os benefícios vão superar os aspectos negativos. E digo isso porque quando o apocalipse dos robôs realmente acontecer, eles terão este filme e saberão o que vai acontecer. E eu ficarei, tipo, ileso. Você sabe, não serei escravizado como vocês, então (risos)”, finaliza ele, em tom de deboche, brincando que já tem seu bunker de sobrevivência preparado.
Fonte: Folha de SP