Série da Netflix revela gente de carne e osso por trás da Segunda Guerra Mundial

“Vozes da Segunda Guerra” é uma nova tentativa de contar exaustivamente um dos mais fortes e sangrentos episódios da história humana.

O documentário britânico, com seis episódios disponíveis na Netflix, deu certo. O diretor Rob Coldstream não se apoia só numa cronologia que se estende de 1939 a 1945. Ele promove um desfile de personagens que, quase anônimos, participaram de algum trecho desse roteiro de 60 milhões de mortos e que pôs fim ao nazismo e ao militarismo japonês. E que ainda marcou a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética como superpotências que se enfrentaram na Guerra Fria dos 45 anos seguintes.

Heinz Drossel é um desses pequenos personagens. Emissário do Exército alemão em junho de 1941, ele levou a seu comandante uma mensagem para que às 3h15 se iniciasse a invasão do território russo. A Operação Barbarossa mobilizou 3 milhões de militares do Reich que abriram uma frente de 3.200 km.

Foi também contra os soviéticos que o 6º Exército alemão foi cercado e derrotado em Stalingrado, um acontecimento a partir do qual os planos nazistas de dominar o mundo entrariam ladeira abaixo. A personagem do episódio é Alessandra Buchearova. Stálin recrutou mulheres para o Exército, e ela terminou a guerra com o peito coberto de medalhas.

Em dezembro de 1941 uma reviravolta ocorreria no conflito com as perdas pesadíssimas da Marinha americana na base de Pearl Harbour, do Havaí. Zenji Abe foi um dos muitos pilotos japoneses que provocaram o estrago —e se disse orgulhoso da destruição. A partir de então, o presidente Franklin Roosevelt desceu do muro e se tornou um poderoso aliado dos russos e ingleses.

Em nenhum momento o documentário perde de vista os grandes acontecimentos. Mas o passar dos personagens demonstra que a guerra não é só a materialização de leis históricas. Por debaixo dos fatos há gente de carne e osso, com heroísmos ou maldades.

Hans Ekkehard era piloto militar e, no comando de seu caça, dizia-se feliz porque a Alemanha era “novamente respeitada”. Ele participou do bombardeio da Polônia, ainda em 1939. No nível do chão estava entre milhões de civis poloneses um rapaz saindo da adolescência chamado Julian Kulski. “Precisei me deitar no chão com medo das bombas. Eram tantos aviões que o céu ficava escuro.”

Kulski relata que em três semanas Varsóvia estava nas mãos dos nazistas. E que em seguida um velho rabino foi amarrado no madeirame do teto de sua sinagoga. Os soldados alemães incendiaram o prédio e exortaram judeus mais velhos a salvarem o religioso. Morreram todos queimados.

Poucos meses depois a infantaria mecanizada alemã contornava a Linha Maginot —fortalezas enfileiradas nas margens do Reno— e invadiram a França sem a menor cerimônia. Georgette Banks morava com a mãe e se lembra de que, com a Gestapo em campo, pessoas eram presas e jamais reapareciam. Os franceses enfrentavam mais uma vez a presença militar repressiva de seus vizinhos.

Mas a guerra não é um enredo de faroeste em que o mal está de um lado só. O documentário narra dois fatos vergonhosos para os Aliados. O primeiro foi o bombardeio de Hamburgo. A cidade foi destruída, e só ficou de pé o prédio central dos correios, que sobreviventes usaram como abrigo. Londres ordenou então que os pilotos retomassem a missão no dia seguinte para destruir o abrigo e matar seus ocupantes.

O segundo fato está na decisão americana de destruir Montecassino, mosteiro do século 8 localizado 130 quilômetros ao sul de Roma. Depois da barbaridade contra o patrimônio, os oficiais descobriram que, ao contrário do que foi informado pela inteligência militar, não havia um só inimigo alemão escondido no mosteiro. Em tempo: Montecassino foi restaurado após a guerra.

O documentário comete poucos escorregões históricos. Um deles foi o de afirmar que Roosevelt acreditava que a tomada de Berlim seria muito sangrenta e, por isso, deixou a tarefa aos russos. Em verdade, Stálin não esperou pelos demais aliados e entregou ao marechal Giorty Zhukov a glória de conquistar a cidade e se apoderar do cadáver de Adolf Hitler.

Outro deslize está na libertação de Paris, em agosto de 1944. Não foi obra direta dos britânicos ou americanos. Foram as tropas da França Livre, comandadas pelo general Leclerc. É claro que elas eram armadas e equipados pelos Aliados, mas foram os franceses que, vindos do sul, entraram na cidade pela porta de Orleans. A cena da avenida dos Campos Elíseos aconteceu alguns dias depois. Ela é fotogênica por mostrar ao fundo o Arco do Triunfo.

Por fim o documentário é honesto ao não justificar as bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki como inevitáveis. Relata que as bombas foram precedidas por discussões éticas e que poderiam ter custado um prolongamento da guerra se substituídas por uma invasão terrestre em massa dos Estados Unidos.

Fonte: Folha de SP

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