Em 2023, Matt Bomer desafiou previsão com papéis em ‘Companheiros de Viagem’ e ‘Maestro’

Nova York


The New York Times

Em 2001, o ator Matt Bomer assumiu um papel em “Guiding Light”. Ele resistiu a princípio. Formado no renomado programa de teatro musical da Universidade Carnegie Mellon, ele achava que uma novela era abaixo dele. Mas alguns trabalhos no teatro não deram em nada, e ele havia perdido recentemente um emprego como carregador de malas em um hotel, então, quando surgiu a oportunidade de interpretar Ben Reade, um herdeiro transformado em prostituto, ele aceitou.

Bomer tinha medo de estar diante das câmeras. “Eu estava aterrorizado de alguém ver tão perto da minha alma”, disse ele. Na novela, ele aprendeu a dizer suas falas, acertar suas marcações, fazer uma escolha e mantê-la. A câmera deixava sua alma em paz.

Em 2002, ele pediu aos produtores para escrever sua saída da trama. Ele havia sido informado de que era a escolha do diretor para um grande novo filme de super-herói. Então, ele acredita, os produtores do filme descobriram que ele era gay. Aquele filme nunca foi feito.

Bomer nunca teve certeza se foi por isso que o projeto fracassou. Assim como casamentos e máquinas de lavar louça, filmes em pré-produção têm muitas maneiras de falhar. Ainda assim, ele tirou da experiência uma lição dolorosa. Ele não podia ser ele mesmo e ter a carreira que queria. Ao mesmo tempo, um produtor (Bomer não o nomeou) disse a ele que, se ele se revelasse publicamente, nunca interpretaria protagonistas.

Levou 20 anos, mas Bomer, de 46 anos, provou que o produtor estava errado. Atualmente, ele pode ser visto em dois projetos importantes: o filme “Maestro“, que estreou na Netflix no último dia 20, e o drama romântico “Companheiros de Viagem“, da Showtime (no Brasil disponível na Paramount+), ambientado durante e após o período conhecido como Lavender Scare dos anos 1950, quando homens e mulheres gays eram negados e expurgados de empregos governamentais.

Na série, que terminou recentemente, Bomer interpreta Hawkins Fuller, um agente do departamento de Estado com uma carreira promissora, uma esposa amorosa e um envolvimento apaixonado com um homem, interpretado por Jonathan Bailey (“Bridgerton“). Determinado, magnético, emocionalmente opaco, Fuller —Hawk para os íntimos— tem todos os sinais de um anti-herói de um drama de prestígio. Ele é um protagonista. Bomer, interpretando-o, é um protagonista.

“Antes disso, eu pensava, por que não podemos ter nosso Don Draper? Por que não podemos ter nosso Walter White?”, disse Bomer. “Acho que não teria conseguido se não tivesse trabalhado em todos os projetos que me levaram até aqui.”

Bomer cresceu em Spring, Texas, um subúrbio de Houston. Sua família ia à igreja várias vezes por semana, e aquela igreja considerava a homossexualidade uma abominação, então Bomer passou grande parte de sua infância e adolescência fugindo de si mesmo. No ensino médio, ele participou de debates, futebol, conselho estudantil, clube de latim. “Qualquer coisa que me mantivesse ocupado”, disse ele. Ele também atuava, conseguindo seu primeiro emprego profissional aos 18 anos. No teatro, dentro da pele de um personagem, ele se sentia livre.

Ele começou a namorar homens na faculdade, durante um ano no exterior na Irlanda. Uma década depois de sua carreira, depois de ter participado de várias séries, coestrelado em um filme de Jodie Foster (“Plano de Voo”) e estar firmemente estabelecido como o protagonista descontraído do programa policial “White Collar“, da USA Network, ele se assumiu ao receber um prêmio humanitário, em 2012. Ele já era casado na época, com o publicitário Simon Halls, e pai de três meninos pequenos.

Bomer não tem certeza se foi o momento ideal para se assumir. “White Collar” ainda estava no ar, e o primeiro filme da franquia “Magic Mike“, no qual ele interpreta um dos dançarinos eróticos, estrearia em breve. Mas ele estava cansado de fugir. E estava feliz.

“Eu simplesmente pensei, não quero esconder isso”, lembrou ele em uma manhã recente. “O amor é mais importante para mim do que qualquer coisa que ser meu verdadeiro eu me custou.”

Nós nos encontramos uma hora antes no meio de uma rua em West Village. O plano era passear pelo bairro, o favorito de Bomer em Nova York (embora ele esteja baseado em Los Angeles, ele e Halls têm um apartamento nas proximidades). Mas estava perto de congelar, então, depois de alguns momentos, entramos na sala envidraçada de uma confeitaria da Bleecker Street.

Posso confirmar que, se você é uma pessoa que gosta da companhia de homens bonitos, é muito bom tomar chá de ervas na mesma mesa que Bomer. Ele tem cabelos escuros, olhos claros, um maxilar tão quadrado que poderia ser usado para tutoriais de geometria. Complete isso com uma blusa de gola alta off-white, e é o galã da cidade. Eu havia mencionado a alguns amigos que iria encontrá-lo, e todos queriam que eu fizesse a mesma pergunta: como é ser tão bonito?

Bomer não desvaloriza sua aparência, mas tem a decência de ficar levemente envergonhado com isso. “Fomos criados em minha casa para sempre sermos muito humildes e não sermos mundanos nesse sentido”, disse ele. “Dito isso, eu me certifico de hidratar a pele.”

Ele prefere escritores e diretores que o veem como mais do que um rosto bonito e um abdômen esculpido. E há mais: travessura, franqueza, uma sensação de feridas há muito cicatrizadas. “Há uma espécie de vulnerabilidade confiante em Matt”, disse Bailey, seu colega de elenco em “Companheiros de Viagem”.

Sair do armário alterou a trajetória profissional de Bomer, embora não necessariamente a tenha diminuído. “Quer dizer, há certos lugares em que eu não estive desde então”, disse ele. “Mas acho que minha carreira se tornou muito mais rica.”

Enquanto “White Collar” chegava ao fim, ele assumiu vários papéis gays. Ele apareceu em “8”, uma peça de Dustin Lance Black sobre a revogação da emenda que proibia o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia. Ele seguiu isso com participações nas adaptações cinematográficas de Ryan Murphy de “The Normal Heart” e “The Boys in the Band“, ambos trabalhos seminais do teatro gay.

Ao escalar Bomer em “The Normal Heart”, Murphy lembrou de pensar: “Talvez este seja o papel que possa mostrar ao mundo o que Matt pode fazer”. “Lembro de dizer a ele: ‘Posso dizer que você pode fazer isso porque você tem muito a provar'”, conta.

Murphy também percebeu que Bomer, um ator que sempre dependeu de técnica e charme, que via a atuação como mais uma forma de se esconder, tinha um poço emocional profundo para se inspirar. “Ele sabe como é lutar, ele sabe como é ter medo e ele sabe como é ter pessoas que não acreditam em você”, disse.

Mesmo interpretando esses papéis gays, Bomer continuou com papéis heterossexuais, construindo um currículo que não estaria disponível para um ator assumido nem mesmo uma década antes. Murphy o escalou ao lado de Lady Gaga em uma temporada de “American Horror Story”, e ele apareceu como um produtor de Hollywood em uma versão em minissérie de “The Last Tycoon“. Ele também filmou um segundo filme de “Magic Mike”.

Há três anos e meio, ele leu “Companheiros de Viagem”, o romance de Thomas Mallon no qual a série é baseada, com o objetivo de estrelar a adaptação. Ele estava interessado, mas não esperava realmente que fosse adiante. “Havia uma parte central de mim que está no negócio desde os 18 anos, pensando: ‘Os guardiões realmente vão dar a esse o orçamento que ele precisa?'”, lembrou ele.

Mas os guardiões deram. Ron Nyswaner, o showrunner da série, queria Bomer como protagonista, intuindo que ele poderia interpretar tanto o que Hawk mostra ao mundo (carisma, ambição) quanto o que ele esconde (coração, desejo, angústia). “Matt, apesar de sua atratividade física e charme, entende a dor emocional”, disse Nyswaner.

Quando perguntei a Bomer o que ele havia dado de si mesmo a Hawk, em termos de esforço e experiência pessoal, sua resposta foi simples: “Tudo”. Finalmente, ele está deixando a câmera ver sua alma. Na maioria das cenas, Bomer interpreta duas ou três emoções simultaneamente, algumas na superfície de seu rosto e outras fervendo por baixo. A série inclui várias cenas de sexo incomumente íntimas, e Bomer se entregou a elas também. Com o consentimento de seu colega de elenco e de um coordenador de intimidade, ele até improvisou alguns momentos não roteirizados, como quando Hawk lambe a axila de um amante.

“Sinto que passei a vida inteira vendo pessoas heterossexuais expressarem sua sexualidade na minha frente”, disse Bomer. “Agora você pode ver um pouco da nossa experiência na tela.”

Se depender de Bomer, haverá mais para assistir. Ele aparece em “Maestro“, de Bradley Cooper, como o clarinetista e produtor David Oppenheim, colega e amante de Leonard Bernstein. E há planos para outras séries: um drama de espionagem queer, uma adaptação de outro romance. Seu projeto dos sonhos é um reboot de “Assassinato por Escrito”. E, é claro, há seus outros papéis: marido, pai, filho, irmão, defensor e ativista dos direitos humanos.

Bailey, que é uma década mais jovem, o descreveu como “uma luz ofuscante —uma boa luz ofuscante!— de energia e comprometimento”. Bomer era alguém a quem ele havia olhado enquanto navegava em sua própria carreira, um homem que havia aberto uma porta e a mantido aberta para os que vieram depois. “Ele é um farol”, disse Bailey.

Previsivelmente, Bomer adota uma abordagem mais humilde. Sua preocupação é com o que ele recebeu, não com o que ele pode oferecer. Sua vida o levou, segundo ele, de uma indústria desconfiada das histórias queer para uma mais receptiva. De fugir de si mesmo para se estabelecer com uma família e uma fé enraizadas no amor e na aceitação.

Outro homem poderia desconsiderar os anos anteriores —a divisão, o preconceito, a dor—, mas Bomer não. Isso o tornou quem ele é: um protagonista e um homem capaz de liderar sua própria vida. “Sou grato, em última análise, por ter visto os dois lados”, disse ele.

Fonte: Folha de SP

7 Comments

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