Documentário da Netflix falha em mostrar problemas

A percepção pública do Pornhub começou a se transformar quando a plataforma passou a revelar todo mês de dezembro a lista dos termos mais buscados por usuários durante o ano. A tradição das retrospectivas colocou o site nas conversas e ajudou a gerar um burburinho positivo, que foi praticamente por água abaixo após um exposé feito em 2020 pelo jornal New York Times. Agora, a guerra contra abuso sexual e agressão mascara uma luta de vertentes conservadoras contra toda a indústria pornô.

Esse é o tema do documentário “Pornhub: Sexo Milionário”, lançado esta semana pela Netflix. Nele, a diretora Suzanne Hillinger faz um panorama do antes e depois do Pornhub, mostrando o quanto o site consolidou um cenário para o compartilhamento de conteúdo pornô na internet (a princípio, pirateado) que fez com que estúdios, produtoras e criadores individuais precisassem se unir a ele em prol de uma via rentável de retorno financeiro.

Durante muito tempo, falar sobre o Pornhub foi (e, em suma, ainda é) sinônimo de falar sobre toda a indústria pornô. O documentário explica como ele se tornou tão crucial para o meio, revelando quem são os nomes por trás do negócio e como todos eles faturam.

Em geral, quando falamos de um material que explora os meandros da indústria pornô, ficamos diante de algo que aborda um dos dois seguintes pontos: a indústria como uma celebração positiva do sexo e da liberdade sexual ou uma cortina que esconde um ambiente de abuso, agressão e sexismo. Em “Sexo Milionário”, a diretora parece não conseguir escolher um dos lados.

A princípio, isso é bom por potencialmente explorar o quanto as coisas são mais complexas do que um simples e maniqueísta “bom ou ruim”. Por outro lado, a vertente editorial do documentário não consegue provar ponto algum ao passar superficialmente por vários aspectos e não se aprofundar em nenhum.

É interessante que o material escolha priorizar o lado das performers, artistas que muitas vezes trabalham de forma independente para criar e distribuir todo o seu conteúdo. Neste sentido, o filme mostra que são essas as pessoas prejudicadas pela desmonetização do Pornhub, uma vez que a própria plataforma continua lucrando com os anúncios.

A ineficácia do atual sistema de monitoramento também é relevante. Cada profissional fica encarregado de, em média, verificar mil vídeos por dia, comprometendo a validade do processo. Mostrar tudo isso garante que esses pontos fiquem claros, e o documentário faz isso muito bem.

No entanto, fica no ar a sensação de uma constatação feita pela metade. Ainda que o documentário mostre que a corda arrebenta para o lado mais fraco (e que o OnlyFans acabou crescendo com este furo), não há uma busca efetiva por debater o lado de quem lucra com a falta de verificação dos conteúdos publicados em sites como o Pornhub e a propagação de tráfico sexual, estupro e abuso contra menores.

Há também um lado menos deslumbrante da indústria que o documentário convenientemente esquece, o que dá a impressão de que existe um vácuo entre o que é pornô e o que é abuso que muitas vezes não é exatamente real. Falta um debate mais profundo sobre qual o tamanho da responsabilidade que sites como Pornhub, Facebook e outros devem arcar com conteúdos de terceiros? Afinal, elas são produtoras de conteúdo (uma vez que lucram com aquilo) ou apenas plataformas?

Por tudo isso, ainda que bem-intencionado, o documentário de Suzanne Hillinger deixa a desejar para quem busca uma abordagem mais profunda das complexidades da indústria pornô. Se não se interessa em realmente sujar as mãos com o assunto, há de se questionar por que tocar nele apenas na superfície.



Fonte: UOL Cinema

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